Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Entrevista - Renato Lessa

A biblioteca não deveria produzir eventos editoriais

NOVO PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL QUESTIONA FALTA DE CONTRAPARTIDA DO MERCADO E LAMENTA DÉFICIT DE PESSOAL NA SEDE

MARCO AURÉLIO CANÔNICO DO RIO RAQUEL COZER ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Dois ventiladores tentam cumprir, na sala de reuniões do gabinete da Fundação Biblioteca Nacional, o papel que caberia a um dos antiquíssimos aparelhos de ar condicionado da instituição --posicionado, inerte, ali perto.

É um sintoma do aniversário indesejável que a instituição --detentora do oitavo maior acervo do mundo--, faz neste mês. Completa um ano sem ar-condicionado, desde que o vazamento de um aparelho inundou um andar.

É um mês de decisões emergenciais. Com a saída das políticas de livro e leitura da estrutura da FBN --estas ficarão no MinC, sob comando do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL)--, é preciso redesenhar o organograma.

As mudanças começaram com a decisão da ministra Marta Suplicy (Cultura) de demitir Galeno Amorim da presidência da FBN, em março.

Agora, o cientista político Renato Lessa, recém-empossado na biblioteca, e o novo secretário-executivo do PNLL, José Castilho Marques Neto, precisam definir, até o dia 31 de maio, a divisão do orçamento entre as duas áreas --para então iniciarem os trabalhos práticos.

Lessa assume a biblioteca, em estado crítico, e, ao mesmo tempo, a organização da participação brasileira na Feira do Livro de Frankfurt, a mais importante do mercado editorial, em outubro. Não gosta do modelo. "Não há contrapartida das editoras, o governo paga tudo", diz.

À Folha ele fala sobre suas metas e o cenário "borgiano e kafkiano" que encontrou.

-

Folha -- Como o sr. recebeu o convite para assumir a FBN?
Renato Lessa -- Não demorei a notar a mistura do mundo de Jorge Luis Borges com o de Franz Kafka que existe na Biblioteca Nacional.
A dimensão Borges tem a ver com esse paraíso na forma de biblioteca. Mas é um paraíso com fios desencapado, goteiras, que tiram o aspecto diáfano. O lado kafkiano diz respeito à burocracia.
Uma preocupação foi o fato de a biblioteca ter, nos últimos anos, incorporado as políticas do livro. Para mim, era mais do que uma irracionalidade, era algo que asfixiava a biblioteca. Mas isso a ministra já planejava corrigir.

Por que a FBN continua responsável pela área de internacionalização do livro, que faz parte dessas políticas?
A área será reformulada. Saem da biblioteca a DLLLB [Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas], o Proler [Programa Nacional de Incentivo à Leitura] e o Sistema Nacional de Bibliotecas.
A internacionalização do livro fica, mas o conceito muda. Será internacionalização da biblioteca. Manteremos bolsas de tradução, prêmios literários. Isso é compatível com a FBN. Mas o foco será na conexão com outras bibliotecas, redes internacionais.

Como fica a participação em feiras internacionais?
A Feira de Frankfurt é uma política de governo, compromisso assumido em 2010 e que envolve os Ministérios da Cultura e das Relações Exteriores. A FBN cumprirá a sua parte.
Mas penso em outra forma de internacionalizar a biblioteca. A FBN não pode ser plataforma de eventos editoriais. Prefiro que participe com seu acervo, com a destreza de seus quadros técnicos. Não significa que será uma autarquia nacionalista, mas aparecerá de forma mais própria a ela.

Quais são as atribuições da biblioteca em Frankfurt?
Cuidamos da programação literária, que inclui a montagem do pavilhão e o estande das editoras. Cerca de um terço do gasto com o evento, que deve bater os R$ 18 milhões, passa pela FBN por meio do Fundo Nacional de Cultura, não do orçamento fixo da biblioteca. Outra parte é liberada via Funarte e Ministério das Relações Exteriores.

E qual a participação do mercado editorial na organização?
A participação da Câmara Brasileira do Livro hoje é feita só com recursos do governo.
Não acho que seja o ideal. O país precisa de projeção internacional, mas não às custas exclusivas de recursos públicos. O mercado editorial brasileiro é rico. Deve haver contrapartida das editoras.

Qual o maior problema da Biblioteca Nacional hoje?
Há problemas infraestruturais conhecidos. A FBN precisa de obras, emergenciais e de longo prazo, incluindo ar condicionado e segurança.

Quando foram anunciados R$ 70 milhões para questões como o ar condicionado, a perspectiva de solução era para 2015. É possível agilizar?
Um ponto emergencial é tornar operacionais os antigos aparelhos de ar condicionado que temos. A licitação está sendo feita e isso deve se resolver em curto prazo.
Outro fator é uma obra geral na refrigeração da biblioteca. Que não tem a ver só com o desconforto dos frequentadores, mas com o armazém, que chegou a bater 50°C no verão. Não é recomendável uma temperatura dessas para a guarda de documentos.
Preciso analisar os procedimentos já definidos. Vou falar com a Fundação Getúlio Vargas [FGV], que está elaborando os termos para a licitação. A FBN não tem estrutura para fazer isso internamente.

Como está hoje o déficit de servidores na FBN?
O desaparelhamento institucional obriga a biblioteca a contratar serviços para atividades que deveria poder fazer. Se não precisássemos da FGV para elaborar os termos necessários à licitação, o processo poderia ser abreviado.
É urgente um concurso público. Deve ocorrer em curto prazo, mas não repõe todo o quadro necessário.

Qual seria o quadro ideal?
A biblioteca tem 791 pessoas, entre terceirizados, cedidos por outros órgãos e concursados. Houve evasão de 25% dos concursados desde 2006. Parte do que hoje é terceirizado deveria e deverá ser incorporado à estrutura.
Com a vinda da imensa estrutura das política do livro para cá, houve um realinhamento dos cargos de confiança. A composição ficou torta.
E é preciso aumentar salários. Como a guardiã da memória do país pode ser desmemoriada em relação aos que trabalham nela?

O sr. é a favor da equiparação com a Casa de Rui Barbosa?
É um belo exemplo. A Casa Rui conseguiu aumentar os salários por ser uma casa de pesquisa. Foi entendida dentro do sistema nacional de ciência e tecnologia. A FBN tem de fazer o mesmo.
Vou convidar o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, a visitar a biblioteca. Não se trata de mudar de ministério, mas de reconhecê-la como um ente híbrido.

Como está a digitalização do acervo da biblioteca?
Há uma ênfase do governo no tema da inovação. A biblioteca tem que mostrar que guardar acervos tem a ver com inovação. Temos uma estrutura boa para digitalização.
O trabalho já está sendo feito, mas precisamos acelerar, pensar num instrumento de busca que vincule outras bibliotecas. Uma ideia é trabalhar por uma rede de bibliotecas lusófonas, compartilhando bases.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página