O futuro da edição eletrônica na Índia
PublishNews, 17/12/2012
O futuro da edição eletrônica na Índia

No dia 11 de novembro de 2012, a Índia apresentou a versão 2 de seu tablet Aakash. O dispositivo conta com um processador de 1GHz, 512 MB de RAM e uma tela de 7 polegadas. Uma das características mais impressionantes do Aakash é seu baixo custo: o estado indiano pagará 41 dólares por cada aparelho, e os estudantes poderão adquiri-lo ao preço subsidiado de 21 dólares. A escala de produção promete ser gigantesca: pelo menos 220 milhões de tablets serão entregues nos próximos 5 anos. Apesar das dificuldades enfrentadas por sua primeira versão, o Aakash se converterá sem dúvida em uma plataforma chave de leitura digital nos países em desenvolvimento. Para discutir e explorar estes temas, conversamos com Vinutha Mallya. Vinutha é atualmente consultora da Mapin Publishing e colaboradora frequente de Publishing Perspectives. Também é membro visitante do curso National Book Trust na Índia e assessora da conferência anual Publishing Next.

Octavio Kulesz - O governo indiano recentemente lançou o modelo Aakash-2, e as cifras são realmente surpreendentes (220 milhões de tablets nos próximos 5 anos). Em sua opinião, quais são as vantagens e desvantagens do projeto?

Vinutha Mallya - Sem dúvida, trata-se de um projeto ambicioso. Se for bem implementado, tem o potencial de revolucionar a distribuição de conteúdo educativo no país. Também facilitará o acesso aos nativos digitais (que são muitos na Índia) e os estimulará a participar na produção e consumo de conteúdo elaborado graças à tecnologia.


OK - E em relação aos desafios?


VM - Os desafios são numerosos, especialmente quando se trata de iniciativas de semelhante escala. Tirando a corrupção – que frequentemente aparece nas etapas de implementação – em algumas ocasiões, os projetos com estas características dependem muito das pessoas que os idealizaram. Assim, quando esse indivíduo se retira da função, o projeto corre sérios riscos.


Mas temos um antecedente que pode nos mostrar o caminho: o projeto C-DOT, que desde sua implementação em 1984 abriu rapidamente as portas às telecomunicações em todo o país. A rede de telefonia chegou a cada povoado no lapso de uma década. Graças ao trabalho realizado com o C-DOT, todos os projetos atuais relacionados com tecnologias da informação e da comunicação para o desenvolvimento foram fortalecidos.


Com relação ao dispositivo em si: ainda precisamos ver se os problemas tecnológicos e de bateria assinalados no Aakash-1 foram resolvidos no Aakash-2.


Em todo caso, como seu uso principal está vinculado a atividades de aprendizagem na sala de aula, será a abordagem pedagógica focada na tecnologia que determinará seu sucesso. Agora, isto constitui um desafio adicional, pois a conectividade nas áreas não urbanas ainda é um sonho: desde a presença de instituições, até a existência de meios de transporte, centros com Internet e professores que saibam usar bem os dispositivos. O projeto Aakash-2 é bastante consciente destas dificuldades e começou a utilizar o dispositivo para capacitar professores de universidades de Engenharia.


Minha maior preocupação é que sejam os estudantes de ciências e disciplinas tecnológicas que recebam um tratamento prioritário, antes dos alunos de artes e humanidades (como ocorre com todos os recursos educativos na Índia): quando o dispositivo chegar às mãos destes últimos, já teremos perdido muito tempo.


E aqui devo acrescentar outro desafio, talvez o mais importante: a necessidade de contar com conteúdos nas línguas da Índia que estejam bem adaptados ao dispositivo. Não tenho certeza de quão preparado está o Aakash para albergar este tipo de material. Teremos que esperar e ver.


Muitos colegas indianos que trabalham com educação e no campo dos conteúdos ficam céticos cada vez que o governo anuncia estas iniciativas impactantes, porque a implementação é quase sempre problemática. Os especialistas poderão resenhar as características técnicas do aparelho, mas o realmente importante será analisar de que maneira e em quanto tempo ele chegará às mãos de seu público-alvo.


Vale a pena lembrar que no caso do Aakash, o governo não está envolvido diretamente. Delegou esta responsabilidade a uma instituição nacional autônoma – primeiro o Instituto Tecnológico de Rajastão e agora o de Bombaim. Datawind é a empresa que subcontratará para a fabricação dos dispositivos.


OK - Com suas vantagens e desafios, o Aakash significará sem dúvida um grande progresso em termos de ampliar a leitura digital. Você acha que os editores indianos estão fazendo um grande esforço para ficarem atualizados na era eletrônica? Que conselhos você daria a eles?


VM - Os editores indianos estão dispostos a fazer o esforço, não se pode duvidar disso. Veem que existe um potencial nos novos meios de distribuição de conteúdo e estão muito atentos a esse mercado. O inconveniente reside nos fortes investimentos que um pequeno editor necessita realizar para migrar para o digital. Mais ainda, muitos nem sequer conseguem discernir exatamente em que direção deveriam ir.


Muitos editores optarão por seguir as tendências marcadas pelas empresas multinacionais cujas sucursais locais têm acesso à tecnologia desenvolvida no Ocidente e a implementarão aqui. Na minha opinião, o que falta é um pensamento que vá “de baixo para cima”. Por esse motivo, a via escolhida costuma ser mais imitativa que inovadora.


Meu conselho seria criar soluções para as realidades locais, levando em conta a diversidade geográfica e cultural. Mas os editores deveriam primeiro capacitar-se e prestar mais atenção a todas as opções disponíveis. Por exemplo, um software caro nem sempre constitui a melhor resposta, enquanto que um simples fluxo de trabalho baseado em XML pode ser suficiente para ingressar de maneira bem-sucedida no mundo digital. Deveriam também compreender a relação entre os dispositivos atuais e o conteúdo, para saber que tipo de publicações encaixam melhor em quais aparelhos.


OK - Nos últimos meses, muitos grandes jogadores internacionais – como a Amazon – realizaram suas próprias incursões na Índia. No entanto, em setembro passado, o governo indiano introduziu certas regulamentações com relação às empresas globais de Internet. O que aconteceu exatamente? Acha que isto poderia ser um obstáculo para o ingresso destes atores?


VM - Tecnicamente, o governo indiano não estabeleceu os regulamentos agora. O comércio varejista indiano estava fechado ao investimento estrangeiro direto até que o governo liberalizou o setor em setembro. As marcas varejistas indianas que tinham sido criadas por grandes corporações locais formaram um poderoso lobby que acelerou as mudanças. Amazon e Walmart também pressionaram pela desregulamentação.


Talvez por causa da forte oposição que isto produziu, o governo permitiu só uma porcentagem de investimentos por parte de empresas internacionais no ramo varejista. De modo que os investidores estrangeiros que tentam ingressar no comércio varejista de marcas múltiplas – como Walmart e Amazon – deverão se aliar com um sócio indiano. Walmart seguiu por este caminho, unindo forças com Bharti. A Amazon não parece interessada em se aliar com ninguém. Este fato, somado à lei segundo a qual este tipo de entidade não pode se envolver no comércio eletrônico, esmaga as esperanças da Amazon de fazer negócios aqui, já que o comércio eletrônico encontra-se no coração de seu modelo. Certamente, o governo desregulamentará este setor nos próximos anos. Mas por enquanto a Amazon não pode se estabelecer na Índia. Deverá continuar com seu site Junglee, que é um agregador online, mas não um vendedor direto.


Sobre se isto é um obstáculo ou não, depende do ponto de vista. Acho que mudanças de semelhante envergadura devem ser realizadas passo a passo, cuidando da saúde do país, em vez de ceder à pressão de grupos poderosos. Assim, prefiro que os planos dos atores globais sejam lentos, se isto permitir que o público indiano consiga se adaptar às mudanças. Por certo, a empresa conformada por Bharti e Walmart já está sob a lupa das autoridades, acusada de violar as normas de investimento estrangeiro direto.


OK - A Índia se converteu em um centro global de software. Mas, além de oferecer serviços informáticos, podemos esperar que a Índia se transforme em um ator relevante em termos de conteúdos, hardware e outros aspectos do ecossistema digital. Qual é sua visão sobre este tema? Que lugar a Índia deveria aspirar no longo prazo?

VM - Infelizmente, é preciso admitir que apesar de que a índia se destaca por seus serviços informáticos, não é conhecida como produtora de conteúdos. Ainda importamos uma enorme porção de nosso conteúdo (em inglês, claro), e neste sentido somos considerados pelos editores estrangeiros como simples consumidores, mais que como produtores. Para ocupar um lugar no ecossistema da edição digital internacional, a Índia deverá produzir conteúdo de qualidade que possa ser distribuído em escala planetária.

[16/12/2012 22:00:00]