Ensinamentos de Julia
PublishNews, 14/12/2012
Gabriela Erbetta dedica a sua coluna de hoje à grande Julia Child

Julia Child morava em Paris quando, em março de 1952, mandou uma carta ao autor e historiador americano Bernard DeVoto para elogiar um artigo escrito por ele a respeito da má qualidade das facas encontradas nas cozinhas dos Estados Unidos. Fez mais: incluiu uma faquinha francesa de presente. Foi o bastante para que Avis, a mulher de DeVoto, respondesse a Julia, e com isso as duas se tornaram grandes amigas, primeiro virtuais e depois “ao vivo” – elas só se conheceram pessoalmente em 1954, dezenas de cartas depois, em uma visita dos Child à casa dos DeVoto em Cambridge, Massachusetts.

Foi um encontro muito feliz, o dessas duas. Julia, na época, estava começando a delinear o que seria um marco na história da literatura gastronômica americana: Mastering the art of French cooking, um imenso compêndio sobre a culinária francesa escrito em parceria com Louisette Bertholle e Simone Beck. Avis, em função das obras escritas pelo marido, conhecia meio mundo e tinha acesso a diversas editoras; depois de ler partes do manuscrito da amiga, não se cansou enquanto não apresentou o livro para a Houghton Mifflin e depois para a Knopf, que acabou publicando o título em 1961 (cerca de 100 mil cópias foram vendidas apenas no ano de lançamento).

O longo e trabalhoso processo de concepção, escrita e edição de Mastering... aparece com detalhes em As always, Julia: The letters of Julia Child and Avis DeVoto (Houghton Mifflin Harcourt, 432 pp., US$ 26), um ótimo volume organizado pela historiadora Joan Reardon com a correspondência trocada entre as duas durante nove anos, desde aquele primeiro dia, em 1952. Ainda estou na metade da leitura e não me canso de admirar o profissionalismo e o cuidado com que Julia Child encarou sua empreitada, assim como os conselhos valiosos de sua interlocutora, que acabou agindo como uma espécie de editora informal da obra. Entre comentários sobre o macartismo, relatos das leituras cotidianas e notícias sobre a família, elas trocam impressões sobre ingredientes, a organização (e o tamanho) dos capítulos da obra e a possibilidade de ilustrações, entre outros temas. Em tradução livre e rápida, eis algumas delas:

- “Estou determinada a fazer com que esse livro seja o mais perfeito possível, e que cada detalhe das explicações básicas seja habilmente desvendado.” (Julia)

- “Não existe nenhum livro como o seu. Os que existem por aí assumem que a pessoa passou cinco anos estudando todas as técnicas.” (Avis)

- “Uma pena que tenha sido mal-editado. A tragédia é que as moças recém-casadas tentarão as receitas e chegarão à conclusão de que só um gênio pode cozinhar.” (Julia, a respeito de outro título sobre a culinária francesa)

- “Começo a pensar que meu livro não falará com muita gente. Sempre me esqueço de que nem todo mundo é apaixonado por comida francesa.” (Julia)

- “Seu livro explica muito claramente por que precisamos usar certas técnicas.” (Avis)

- “Isso é tão típico, transformar coisas muito simples em mistérios desgraçados apenas para se fazer de importante.” (Julia, a respeito de alguns chefs)

Mesmo escritos há sessenta anos, são apontamentos ainda muito valiosos para quem quer produzir um bom livro de cozinha.

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Saio para uma longa temporada de férias e aproveito para desejar a todos um excelente fim de ano, com votos de que 2013 chegue com saúde, alegria e muitas leituras.

[13/12/2012 22:00:00]