Crime e comida
PublishNews, 09/11/2012
Gabriela Erbetta fala, em sua coluna de hoje, sobre a sua 'estante excêntrica'

No delicioso Ex-Libris (Zahar, 164 pp., R$ 42 – Trad. Ricardo Quintana), pequena coleção de ensaios sobre o amor pelos livros e pelas palavras, a escritora americana Anne Fadiman criou uma expressão que eu adotei para denominar algumas de minhas manias: “estante excêntrica”. Trata-se, como define a autora, de “uma pequena e misteriosa coleção de volumes cujos assuntos não têm a menor relação com o restante da biblioteca, embora, numa investigação mais detalhada, revelem um bocado sobre seu dono”. Algumas de minhas estantes excêntricas não têm, mesmo, nada a ver com os outros títulos de minha limitada biblioteca. Uma das mais queridas, porém, é a que junta duas paixões, ambas presentes em pilhas de obras espalhadas pela casa: livros de cozinha e histórias de detetives.

Acho que comecei a me apaixonar pelo gênero “romance policial culinário”, se é que isso existe, ao ler, ainda na adolescência, Nem só de caviar vive o homem (Nova Fronteira, 528 pp., R$ 43,90 – Trad. Paulo Buarque de Macedo). A trama pode ter alguns furos e as receitas não serem exatamente bem escritas, mas a combinação dos dois temas serviu para eu começar a procurar outros livros do gênero. Fui parar, é claro, em Nero Wolfe, o sensacional detetive particular obeso e misógino, cheio de extravagâncias, que divide seu tempo entre o cultivo de orquídeas e as instruções a Fritz, seu cozinheiro suíço, já que desvendar mistérios fica para as horas livres – escrevi aqui sobre o personagem e o livro de receitas que derivou das aventuras criadas pelo escritor Rex Stout. Depois vieram Pepe Carvalho, de Manuel Vázquez Montalbán, e o Inspetor Montalbano (assim batizado em homenagem ao escritor espanhol), de Andrea Camilleri, investigadores e gourmets que vivem às voltas com receitas de pato, cordeiro, massas, peixes e outras delícias da Catalunha e da Sicília, onde residem.

Com o lançamento no Brasil, este ano, de O mistério do chocolate (Lua de Papel, 256 pp., R$ 29,90 – Trad. Basílio de Souza), de Joanne Fluke, resolvi conferir o “romance policial culinário” que anda sendo publicado nos Estados Unidos. Minha pesquisa não foi definitiva, claro, de tanto que se imprime no mercado americano. Mas a partir da coleção inaugurada por Fluke, em 2000 (ela já está no 15º título protagonizado pela heroína Hannah Swensen), cheguei a outras duas séries: uma escrita por Diane Mott Davidson, cujo primeiro título, de 1990, é Catering to nobody (Bantam, 320 pp., US$ 7,99), e que já conta com dezesseis volumes, e outra criada por Jerrilyn Farmer, inaugurada em 1998 com Sympathy for the devil (Avon, 256 pp., US$ 5,99), hoje em seu sétimo “episódio”. Mudam alguns detalhes – Hannah Swensen e Goldy Korman, de Catering to nobody, vivem em pequenas cidades de Minnesota e do Colorado, enquanto Madeline Bean, de Sympathy for the devil, mora em Los Angeles –, mas a fórmula é praticamente a mesma. As protagonistas são moças na casa dos 30 anos, ou quase, donas de seus próprios negócios culinários (uma tem loja de biscoitos, duas têm bufês), que acabam envolvidas em assassinatos e precisam encontrar logo os culpados para voltar a trabalhar em paz. Durante a investigação, as três flertam com os policiais responsáveis por cada caso. E comem, claro, porque não são de ferro – no fim de cada capítulo, as séries escritas por Fluke e Davidson trazem as receitas de pratos e quitutes elaborados por suas personagens.

A tendência de combinar mistérios e ensinamentos culinários também contagiou alguns autores brasileiros. Em Peças fragilizadas (KBR, 208 pp., R$ 38), Vera Carvalho Assumpção descreve diversas refeições do detetive Alyrio Cobra em restaurantes de São Paulo e coloca um amigo do protagonista na cozinha para fazer rosbife e coq au vin. Arroz de polvo e bacalhoada já haviam aparecido nos títulos anteriores da escritora, que promete um legítimo picadinho brasileiro para o próximo volume da coleção.

Se alguém quiser indicar algum outro representante do “romance policial culinário”, agradeço. Ainda existe bastante espaço nessa minha estante excêntrica.

[08/11/2012 22:00:00]