A edição digital na Rússia
PublishNews, 08/11/2012
O mercado digital na Rússia

Octavio Kulesz entrevista Natalia Erokhina, da empresa digital russa ABBY, e conversa sobre o mercado editorial digital no país.

Octavio Kulesz: Você poderia descrever em poucas palavras sua trajetória e a da ABBYY?

Natalia Erokhina: Estudei na Universidade Estatal Russa para as Humanidades e me formei em inteligência artificial – uma especialização que combina duas áreas de conhecimento: programação de software e linguística. Nos últimos dez anos trabalhei em diferentes empresas de software e de alta tecnologia russas. Atualmente sou gerente de desenvolvimento de mercados para América Latina na ABBYY – uma empresa líder em reconhecimento de texto, captura de dados e tecnologias linguísticas.

Entre os produtos da ABBYY figuram aplicações para reconhecimento e conversão de documentos (FineReader e PDF Transformer), programas de captura de dados para o processamento de formulários, documentos semiestruturados e desestruturados (FlexiCapture and FormReader), todos programas que oferecem um bom panorama das tecnologias de reconhecimento de ABBYY, sua linha Lingvo de dicionários eletrônicos e outros produtos linguísticos. A empresa constitui um dos centros globais mais destacados no que se refere a inteligência artificial e reconhecimento de documentos. ABBYY também conta com sua própria editora, ABBYY Press e com uma agência de soluções linguísticas, ABBYY Language Services.

OK: Quais são os principais atores da edição digital russa?

NE: O mercado da edição digital na Rússia é relativamente jovem e ainda se encontra em estado de desenvolvimento. A demanda de conteúdo digital cresce e, de acordo com as estimativas dos especialistas, a venda de e-books duplica a cada ano.

Pelo que estou vendo, existe a percepção de que o mercado está mudando. As tecnologias da informação evoluem sem pausa, o que obriga as editoras grandes e médias a implementarem projetos próprios e trabalharem em suas estratégias digitais.

O mercado das publicações eletrônicas está constituído principalmente pelas editoras que lançam projetos novos ou intensificam suas iniciativas digitais anteriores (Eksmo, Prosvescheniye, Drofa, AST Press), assim como por distribuidores digitais de grande envergadura (em primeiro lugar LitRes, depois Wexler e Ozon). Em alguma medida, ABBYY também poderia ser considerada uma empresa deste tipo.

OK: Como é a atitude geral dos editores russos em relação à era digital?

NE: A indústria editorial costuma ser conservadora. No entanto, com a chegada da era de informatização total, este setor também teve que se adaptar às tendências contemporâneas. Acho que, no final das contas, as editoras russas compreendem que estes são tempos de transformações consideráveis e que a maneira de oferecer conteúdos mudou. Os líderes do mercado já estão se movendo ativamente na arena digital, mas eu diria que a maioria ainda se encontra tentando achar o caminho.

O certo é que a preparação de publicações eletrônicas de qualidade requer recursos financeiros e investimento. O desenvolvimento destes processos inclui múltiplas etapas: requerimentos técnicos, revisão e reestruturação de conteúdos, design de interfaces, programação, testes, etc. Além disso, a grande variedade de plataformas (Windows, Mac OS, Android, iOS, etc.) implica a necessidade de adaptações técnicas adicionais que em alguns casos duplicam os custos. Claramente, as novas ferramentas de edição facilitam a agilização do processo, mas sua implementação também exige investimento em capacitação. Por outro lado, o desenvolvimento de um produto digital isolado não é suficiente: na verdade, o processo de publicação também exige uma boa estratégia de distribuição, um ponto muito intensivo em recursos humanos. Isto inclui um trabalho diário de promoção, gestão de resenhas de clientes, atualizações técnicas e análises dinâmicas de resultados de vendas, políticas de preços, assim como estabelecer na prática canais de comercialização eficazes.

Por isso, os editores devem se enfrentar ou com uma mudança radical de seus modelos de negócios (e à criação de seus próprios departamentos de software e de venda), ou encontrar um sócio tecnológico que cobrirá esta parte do processo.

Na Rússia, as principais editoras estão tentando, agora, desenvolver das duas formas (por exemplo, a AST Press e a Drofa trabalham com sócios em determinadas áreas, enquanto desenvolvem seus próprios projetos digitais). No entanto, a solução mais aceitada é a cooperação mútua entre editoras e empresas de software que oferecem apoio na criação de conteúdo eletrônico (como por exemplo ABBYY) e outras empresas especializadas em distribuição digital (como Litres – 54% –, Wexler, Ozon e também ABBYY).


OK:É possível dizer que está aumentando a presença do digital entre os leitores?

NE: Claro. Os leitores russos estão se acostumando cada vez mais a ler em dispositivos portáteis. De acordo com SmartMarketing, o volume total de e-readers se multiplicou por 3 comparado com 2010. Os analistas explicam que este mercado já atravessou sua juventude e chegou ao patamar de um crescimento sustentado. São também interessantes os resultados obtidos pela equipe do site RBC (Russian Business Consulting): de acordo com suas investigações, 53,1% da audiência do portal (composta majoritariamente por jovens e homens de negócios) utiliza e-readers para ler livros.

As marcas mais populares são PocketBook, Sony, Wexler e Onyx. No entanto, de acordo com diversas estimativas, as vias de acesso mais generalizadas ao conteúdo eletrônico na Rússia continuam sendo o PC e os smartphones. Por outro lado, a venda de tablets também está crescendo: os especialistas coincidem que, em um futuro próximo, os e-readers serão substituídos por versões multifuncionais. A opinião corrente é que as publicações eletrônicas deveriam contribuir para desenvolver a cultura de leituras na Rússia, porque permitem um acesso muito mais direto e econômico ao conteúdo, não só para os habitantes de Moscou e São Petersburgo, mas também para os habitantes de todas as províncias russas, como por exemplo a Sibéria ou o extremo leste do país.


OK:A pirataria volta sempre aos debates sobre edição digital. Como você vê este fenômeno na Rússia?

NE: A pirataria constitui, realmente, um dos tópicos mais críticos na Rússia, como ocorre em outros países. As editoras perdem milhões de dólares a cada ano por causa do gigantesco número de downloads ilegais. Ao mesmo tempo, a falta de legislação adequada a respeito da edição eletrônica explica a permanência de tantos players ilegais no mercado russo.

O certo, no campo do conteúdo legal, é que os maiores provedores são LitRes, Elkniga e Bookee.

A lei antipirataria da Rússia é, por um lado, relativamente estrita, pois implica responsabilidade individual. No entanto, sua aplicação na prática é muito mais complicada. Assim, as grandes lojas e os editores precisam enfrentar o fenômeno das publicações ilegais com seus próprios meios, chegando ao ponto de que alguns tentaram converter em legal a oferta ilegal.

Na minha opinião, o problema da pirataria poderia ser resolvido em parte não só com a melhora dos sistemas de proteção, mas oferecendo conteúdos de qualidade a preços acessíveis. Todos sabemos que os livros pirateados que se encontram na web costumam ter erros, símbolos mal interpretados, etc. Assim, até certo ponto, para os usuários seria muito mais simples comprar um livro legal em uma loja confiável, se o preço não for proibitivo.

Como comparação, no Ocidente, o preço de um ebook oscila entre os 10 e 15 dólares, enquanto que na Rússia está perto dos 3 dólares. Vários especialistas indicam também que a indústria editorial russa não está fornecendo conteúdo suficiente aos leitores. Por exemplo, LitRes possui uns 50.000 títulos, enquanto que o principal site de textos ilegais em russo, Lib.rus.ec, chega à cifra de 200.000 (para mais informações, recomendo visitar o artigo de Vladimir Kharitonov: “Steps into the Digital Future”).

OK: Qual será o impacto dos e-books e outras ferramentas digitais na Rússia? Você vê alguma oportunidade em especial? E quais são os desafios?

NE:Considero que o desenvolvimento da indústria do e-book oferecerá aos diferentes estratos da sociedade russa – tanto em Moscou quanto em São Petersburgo e outras regiões – a oportunidade de ler mais. Com a expansão da Internet, as regiões mais distantes do país terão acesso à mesma qualidade e quantidade de livros que as regiões centrais, o que contribuirá em grande medida para fomentar a cultura leitora em todo o território e a elevar o nível geral da educação. No mundo impresso, é difícil encontrar variedade, mas no eletrônico podemos acessar e baixar textos de um modo muito simples. Os estudantes já estão aproveitando esta vantagem.

Da mesma forma, o tema dos materiais eletrônicos está sendo debatido ativamente na indústria educativa russa. Se estas discussões tomam a forma de projeto governamental, o mais provável é que a iniciativa receba fundos, o que estimula o negócio editorial.

Agora, entre os maiores desafios para o surgimento de um mercado de e-books na Rússia esta a dificuldade de encontrar modelos de negócios claros para a venda de conteúdos. Atualmente, existem 3 variantes: venda de e-books como arquivos, modelos de assinatura e aplicações multimídia. O problema é que os processos de compra são um pouco mais complicados que nos EUA, já que a infraestrutura baseada na conexão entre e-readers e lojas online se encontra ainda em etapa de desenvolvimento.

Outro tema é que, por um lado, o público russo não está muito acostumado à ideia de comprar conteúdo legal (como acontece nos EUA) e, por outro lado, os métodos de pagamento (cartões de crédito, por exemplo) só se massificaram nos últimos anos. Isto leva, então, ao flagelo da pirataria, somado aos problemas técnicos de como se processam os pagamentos.

[07/11/2012 22:00:00]