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Um editor faz a diferença?
PublishNews, 31/10/2012
Um editor faz a diferença?

Vi uma brincadeira recentemente no Facebook em que se mostrava 6 versões da mesma profissão, a partir de uma pergunta central: quando digo que sou _ _ _ _ _ _ _ (nome da profissão): o que meus pais pensam? Como meus amigos me veem? Como um autor recusado me vê? Como eu me vejo? O que realmente faço? etc.

Vi posts bastante criativos das mais variadas profissões, e foi divertido observar que, no mundo real, todas as áreas têm um lado glamoroso, mas que, na maioria das vezes e para a maioria das pessoas, não corresponde à realidade.

Até hoje, quando me perguntam o que faço e digo: sou editor de livros, as pessoas perguntam afirmando: “ah, então você escreve!” Não! “Ah, você faz a revisão ortográfica dos livros!” Novamente, não. Então explico. E elas fingem entender, e eu fico torcendo para que pesquisem no Google.

A motivação desse artigo é a percepção de que os editores são, para muita gente, seres invisíveis. Hoje há uma supervalorização dos livros autopublicados, e uma tendência a tratar os editores como um tipo de censor; de pessoa que impede um autor de chegar ao sucesso; enfim, uma pedra no caminho entre autores e leitores. Acho isso um tanto injusto, mas se acontece é porque há uma falta de informação generalizada, uma crença de que editores são dispensáveis dentro do processo, talvez porque seu trabalho, boa parte das vezes, só aparece quando ocorre algum problema, nas dezenas de fases que ficam sob sua responsabilidade, inclusive a de corrigir algo produzido pelo autor.

Nossa cultura valoriza tanto a figura do autor que, se ele revelar que teve um direcionamento do editor, parece que perdeu a autoria. Esquece que, mesmo com alguém já consagrado, foi um editor que pescou seu texto numa pilha de obras ruins, ou convidou determinado autor para determinado tema, deu direcionamento específico, fez críticas, contribuições, retirou personalismos, temas desfocados do propósito central, visão unilateral ou frágil, refletiu sobre o título, escolheu capa, projeto, textos de quarta-capa e orelhas, convidou um prefaciador, intermediou marketing, imprensa, brifou o comercial sobre o diferencial daquela obra no mercado. É um trabalho amplo, que exige experiência, visão estratégica, inúmeras habilidades e um conhecimento básico sobre uma infinidade de temas, mas que raramente é percebido num livro.

Uma história que já me foi relatada duas vezes por colegas de profissão conta que o livro de maior sucesso de Humberto Eco, O Nome da Rosa, foi reescrito por editores de Hollywood ao ser comprado para o cinema. E a versão que lemos hoje passou por dois grupos de editores: o italiano e depois os americanos, ou seja, foi mexido duas vezes até ficar ótimo aos nossos olhos. No mercado internacional isso é bastante comum. Já adquiri livros que foram posteriormente comprados para televisão ou cinema, e os agentes pediram para esperar a nova versão, que, nesses casos, melhorou o final, ampliou o público ou deu mais ritmo à trama. Há demérito nisso? Não vejo. Penso que há um excesso de idealização em desejar que um autor tire tudo de sua cabeça, que não reflita com mais alguém, que não tenha lido nada que possa influenciá-lo. Bobagem.

Há um belo filme recente do Woody Allen, Meia noite em Paris. Allen tem realizado filmes mais comerciais nos últimos anos, o que andou ampliando seu público. Neste filme, um casal de noivos passa férias em Paris, e os sogros da moça os acompanham. Ele é um escritor em crise. Ela é uma burguesa, que nutre uma paixão pelo ex, que, por acaso, também está em Paris em férias com a atual mulher. Os dois casais combinam de sair juntos e o ex faz o estereótipo “sabe-tudo”, tem uma história para contar sobre qualquer coisa, ficando sempre numa posição hierárquica em relação aos demais. A noiva e a ex gostam desse tipo de relação, mas nosso escritor não, pois mais parecem duas frangas seguindo um pavão super exibido, de museu em museu.

Numa dessas noites ele decide não acompanhá-la num jantar. Então ocorre a mágica do filme. Um carro cheio de gente animada para à sua frente e o chama para entrar. Descobre depois que cada vez que isso acontece ele é levado ao passado. Conhece Gertrude Stein, Ernest Hemingway, O casal Fitzgerald, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Cole Porter e muitos outros. Ele fica alucinado. Encontrou pessoalmente alguns dos seus grandes heróis, bebeu, fumou com eles, trocou confidências. Num desses eventos recebe a indicação de Hemingway para mostrar seus textos à Gertrude, que era a sua primeira leitora crítica sempre, uma função de editora pessoal. Ele o faz, e recebe dela as indicações sobre como conduzir seu romance. Um filme que vale a pena sob vários aspectos: reconstituição de época, cenários em Paris, crítica aos clichês diversos, e a inusitada escolha do Owen Wilson para estrelar um filme de Allen, o que traz também muito significado.

Mas o que me fez falar desse filme aqui é que ele mostra como o editor é a interlocução crítica de primeira instância, e que as maiores obras literárias foram eternizadas graças à ela.

Conversei rapidamente com alguns editores durante a feira de Frankfurt sobre este assunto, para colher histórias a fim de mostrar como essa mágica acontece, tanto com livros nacionais como internacionais.

Mariana Rolier – editora

“Quando avaliei o manuscrito Florence and Giles, de John Harding, sabia que o livro tinha bastante potencial, mas o projeto inglês não era adequado para o Brasil. Muito centrado em uma estrutura gótica, com um corvo na capa e um título que não dizia nada sobre o livro. Comprei a obra já pensando no processo de edição. A primeira coisa que me veio à cabeça foi mudar o título. A personagem principal, uma menina muito inteligente para sua idade, que aprendeu a ler sozinha porque seu tio não permitia que uma mulher tivesse instrução em uma Inglaterra vitoriana, era corajosa, forte e determinada. Assim, quando a menina descobre uma biblioteca esquecida na mansão onde vive, se deslumbra tanto que traz para sua realidade as histórias dos livros que lê escondida. O título A menina que não sabia ler fez todo o sentido para mim. Durante todo o livro nenhum personagem sabia que ela aprendera a ler e era ali que estava seu grande trunfo.

“Também precisava resolver uma questão importante no miolo. John Harding baseou a obra no livro de Henry James, A volta do parafuso. Havia muitas referências dessa obra que levavam o leitor a descobrir um importante mistério do livro. Enviei um email ao autor preocupada, pois se na Inglaterra Henry James era bastante conhecido pelos adolescentes, aqui era bem diferente. John Harding entendeu a situação e juntos chegamos à uma proposta, com algumas frases no meio do livro que não deixavam o leitor brasileiro se perder nas referências.

“E, finalmente a capa. Ainda apaixonada pela personagem principal, conversei com o capista sobre a obra. O estúdio não poderia ter sido mais feliz – e depois desta capa nos tornamos parceiros de muitas outras obras. O livro foi um sucesso, com cerca de 80.000 cópias vendidas no Brasil. A editora inglesa não chegou a alcançar 10% dessas vendas em seu país.”

Alessandra, editora da Gente me relatou durante o voo para a Alemanha como revelou o livro Desperte o milionário que existe em você, que já havia sido lançado numa versão independente. Ela o pescou numa pilha de uma centena de livros. Bateu os olhos no nome do autor, Carlos Wizard, que havia conhecido num seminário e de matérias de jornal. Viu o conteúdo, ligou para o autor e juntos reestruturaram algumas partes. Resultado: a obra está presente nas listas de mais vendidos da Veja há mais de 19 semanas.

Durante a feira de Frankfurt, ouvi da Sandra Espilotro, Diretora Editorial da Ediouro, outro lado interessante da questão e que reproduzo, sem fidelidade, com minhas anotações: “O livro de self-publishing que vende bem geralmente o faz por alguns motivos, como o preço muito baixo. Isso indica certamente que ali há algo bom, que a ideia é boa e que há demanda pelo assunto. Esse movimento certamente chama a atenção das grandes casas editoriais, mas quando a obra é adquirida por uma empresa, elas passam por ampla reforma: cuidam do texto e até mesmo da apresentação do autor; fortalecem os pontos bons e, sobretudo, corrigem os frágeis. Boas vendas não significam boa edição. E se um livro pode vender bem pelo assunto, pode vender ainda mais se tiver uma edição competente, que é o que faz um editor.”

De Marcelo Del’Anhol, editor de literatura da Positivo, ouvi um relato que acrescenta mais uma faceta à função: o de resgatar pérolas do passado. Folheando material antigo, Marcelo encontrou uma resenha de Laura Sandroni, “num tempo em que havia algum espaço para a crítica de livros infantojuvenis na imprensa brasileira, no qual elogiava o livro A viagem de retalhos, da Sonia Robatto, chamando-o de pequena obra-prima. Sonia foi a editora da Revista Recreio e abriu espaço para muitos dos grandes autores infantojuvenis mais respeitados de hoje, como Ruth Rocha, Ana Maria Machado, entre tantos outros, mas ela mesma havia desaparecido das prateleiras. Graças a essa resenha, conseguimos chegar até Sonia, uma grande escritora que andava esquecida, sem o reconhecimento e fora de catálogo. Foi uma experiência tão gratificante que já publicamos outro livro dela.” Ouvi a experiência e fiquei pensando que esse trabalho de resgatar obras relevantes é tão ou mais importante do que tentar revelar novos talentos. E cabe aos editores.

Recordo ainda como foi assistir, à distância, no início dos anos 2000, o lançamento pela Sextante da versão Brasileira de The Blue Day Book. Não sabem que livro é esse? É o que passou a ser chamado no Brasil de Um Dia Daqueles. Trocaram o sapo azul e o título estranho para os brasileiros por um simpático leão e uma mensagem de conforto. Um toque genial que transformou o gift book num produto altamente comercial.

Poderia dar mais exemplos, pois melhorar a qualidade dos livros, ou alterar o detalhe que faz a diferença entre o livro que vende bem e o que fica esquecido no fundo da loja, é a tarefa principal dos editores, mas iria me repetir. Fui testemunha de tradutores que fizeram um trabalho fenomenal na criação de versões adaptadas, como se o original tivesse sido escrito para os brasileiros; editores de áreas técnicas que criam projetos e coleções que fazem da série algo mais importante que os nomes que publicam (sem demérito ao texto ou aos autores); e, por outro lado, editoras que cortam os investimentos na área editorial, justamente onde reside toda a sorte futura, onde o negócio começa a existir, acreditando que podem vender qualquer produto pelo nome, força comercial ou relacionamento, ignorando os efeitos disso no longo prazo.

Que a tecnologia está mudando o mercado, não há duvidas. Fenômenos de literatura acontecem o tempo todo, mas grande parte está nas mãos dos profissionais. No entanto, a exceção muitas vezes é tratada como regra, e o profissional que tem por objetivo fazer a triagem se torna obstáculo. A autopublicação não é um fenômeno recente. Paulo Coelho e Plinio Marcos já tiveram que vender pessoalmente seus livros, num esquema parecido. Um virou um sucesso de vendas, o outro cult. Mas isso não ocorre com todos. O próprio Coelho gostaria de tirar do mercado seus dois primeiros livros, se pudesse. Provavelmente não sentiria vergonha desses livros se tivesse contado com um editor.

Acho que o centro da questão está desfocado, não tem a ver com o fim do papel do editor. O que a tecnologia fez foi abrir mais uma possibilidade para o autor chegar ao público consumidor sem que uma grande empresa invista junto. E sem que precise das grandes redes de livrarias, da imprensa ou do marketing profissional. Isso não invalida o trabalho de todas essas empresas. Antes o autor teria de pagar uma edição impressa, agora, uma versão virtual, que é mais barata. No entanto, nos raros casos em que isto dá certo, uma empresa acaba contratando a obra que fez sucesso no mercado independente. No fundo, quando um autor faz todo o trabalho para se lançar, o que ele busca, de fato, é um editor que o descubra para lançá-lo em grande estilo, para que ele possa se ocupar apenas das funções que lhe cabem como autor. Fosse o contrário, os autores autopublicados teriam declinado os convites das editoras.

Até a próxima coluna. Se quiserem fazer comentários mandem para o meu blog: www.faroeditorial.wordpress.com

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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