A vertigem das listas
PublishNews, 05/10/2012
A vertigem das listas

Listas: há quem ame, quem deteste, quem apenas despreze. Confesso que me enquadro na primeira categoria. Por mais arbitrárias que sejam as escolhas, adoro uma relação dos dez mais isso, dos dez menos aquilo. O porquê do encanto, ainda não sei – falta ler o Umberto Eco em A vertigem das listas (Record, 408 pp., R$ 162,90), de onde roubei o título para este texto, livro que comprei há um tempão mas que foi parar na minha pilha de leituras futuras e de lá não saiu.

Nos últimos dias, encontrei uma lista bem bacana relacionada a livros de cozinha. Foi elaborada pelo inglês Nigel Slater, autointitulado “um cozinheiro que escreve”, autor de uma coluna semanal sobre comida que já dura vinte anos no jornal britânico The Observer e de onze títulos variados, a maioria com pratos simples e rápidos. Desde 2006, Slater ainda apresenta programas na BBC e, em 2010, seu volume de memórias, Toast (Gotham, 256 pp., US$ 16), virou filme com Helena Bonham Carter. Sua lista dos “cinco melhores livros de cozinha de todos os tempos” começa com uma edição da conterrânea e quase-xará Nigella Lawson: How to eat (Wiley, 496, US$ 19,95). Fiquei contente ao conhecer a escolha dele porque essa é também uma das minhas preferidas, uma obra que não apenas relaciona receitas mas está repleta de ideias para que, a partir de informações sobre ingredientes e sobre o que funciona melhor na cozinha, cada um possa preparar refeições da maneira que lhe for mais conveniente. “Há inteligência no jeito como ela escreve”, diz Slater, “e ela também espera certa inteligência de seus leitores.”

Dois autores australianos foram selecionados pelo escritor: David Thompson, com Thai food (Ten Speed Press, 688 pp., US$ 45), formado por receitas tailandesas tradicionais, e Stephanie Alexandre, com o catatau The cook’s companion (Penguin Global, 1136 pp., US$ 1000), “o livro mais pesado de minha coleção”, segundo Slater, que elogia o equilíbrio entre informações e inspiração presentes na obra. Os outros títulos da lista, por fim, são velhos conhecidos dos leitores brasileiros, bíblias de duas das culinárias mais respeitadas, conhecidas e importantes do mundo: Cozinha regional francesa (Companhia das Letras, 624 pp., esgotado – Trad. Helena Londres), de Elizabeth David, e Fundamentos da cozinha italiana clássica (WMF Martins Fontes, 710 pp., R$ 78,80 – Trad. Jefferson Luiz Camargo), de Marcella Hazan. Slater afirma gostar dos dois por motivos diferentes: a prosa de Elizabeth David (“quase ninguém tem coragem de falar que algumas receitas não funcionam [...] mas o espírito delas e a maneira como foram escritas são muito inspiradores”) e a precisão de Marcella Hazan (“falta um pouco de humor e o tom é quase matriarcal [...], mas não existem receitas melhores: são concisas, claras, simples e ela nunca me deixa em dúvida sobre o que eu deveria estar fazendo”).

Em minha busca incessante pelos fatores que fazem de um livro de cozinha um ótimo livro de cozinha, são considerações esclarecedoras vindas de um sujeito que respeito muito.

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Falando em Nigella, num texto de agosto eu escrevi sobre o lançamento dos novos volumes dela e de Jamie Oliver na Inglaterra. Pois a imprensa britânica não perdeu tempo em colocar à prova algumas receitas de ambos, com resultados não muito favoráveis aos autores. Para o jornal The Guardian, um chef profissional e uma cozinheira amadora prepararam um bife oriental do Jamie’s 15-Minute Meals (Michael Joseph, 288 pp., 26 libras) – prato que, como indica o título, deveria ficar pronto em 15 minutos. O chef levou menos de 10; a moça, 35. Pior foi o escracho do Mail Online com Nigelissima (Chatto & Windus, 288 pp., 26 libras), o livro “italiano” da inglesa. Em uma cozinha na Úmbria, uma chef e uma legítima mamma testaram invenções como a salada renascentista, o espaguete dourado e o tartar toscano de atum (as traduções, livres, são minhas) e execraram quase tudo, apontando falhas como o uso de ingredientes inexistentes no país. O público, ao que parece, não está nem aí. No momento em que termino de escrever esta coluna, dia 03 de outubro, às 23h, Nigelissima estava em primeiro lugar na lista de mais vendidos da Amazon britânica; Jamie’s 15-Minute Meals ocupava o oitavo lugar.

[04/10/2012 21:00:00]