Escritores anônimos
PublishNews, 03/09/2012
Escritores anônimos

Terminamos mais um festival Tarrafa Literária. Pelo quarto ano festejamos com escritores e leitores o nosso vício público: a literatura e os livros. Ocupamos o Centro Histórico da cidade de Santos, perto de São Paulo. Dois teatros do século XIX receberam os seus ilustres convidados, o Coliseu e o Guarany, ambos restaurados com a ajuda de incentivos federais. O nosso centro é bonito e caótico, misturado ao porto, à história do café e dos imigrantes que chegaram pelo mar, e ajudaram a fazer o Brasil.

Meus avós libaneses vieram por este caminho, o das águas. Gosto de realizar este evento bem perto do ponto em que chegaram os imigrantes.

Gosto também de lembrar que tudo começou num balcão de livraria, e que tudo se mantém da mesma maneira: continuo no balcão, matutando e atendendo os leitores, o ano todo, por muito tempo, há mais de duas décadas.

Quando lançamos a nossa Tarrafa nos vestimos de festa, celebramos o prazer de ler e nos sentimos fortes. Convidamos figurões e jovens autores, consagrados e iniciantes confiantes.

Nos bastidores o festival é divertido, e por vezes triste.

Para o show de abertura convidamos o velho lobo para uma sonora apresentação. Acordamos a cidade para a leitura, com mais de duas horas de sucessos na companhia do Lobão e banda. Soubemos da curiosidade literária e filosófica do Lobão, num papo acelerado e com poucas pausas madrugada adentro.

O angolano Agualusa estreou na nossa festa, contou causos mágicos e compartilhou leituras com a atenta plateia - após a mesa dividida com o historiador e ensaísta Nei Lopes, comentou do lado de fora do teatro:

- Mas vocês estão de parabéns, cuidaram de tudo, até da lua! Ela estava linda mesmo, compondo o cenário.

Na ala infantil a escritora e roteirista Adriana Falcão derramava lágrimas ouvindo o próprio texto na interpretação do contador de histórias, Alexandre Camilo.

Ricardo Lísias também não se conteve ao ouvir um trecho sobre um encontro com o seu pai, dividido com os leitores. A mesa esperaria a emoção assentar, foi muito bonito estar lá e viver com eles esses momentos.

O jornalista e best-seller Leandro Narloch saboreou o poder de ser anônimo. Nos fundos do palco cuidamos dos estômagos literários – afinal, se pensa melhor sem fome. Enquanto beliscava uns tira-gostos, avistou descansando numa cadeira o seu livro. Indagou ao garçom se gostava do que lia. A resposta foi de bate e pronto, entortou a cara e disparou:

- Mais ou menos, vamos ver no que vai dar esse livro.

Narloch se serviu de suco e foi para a mesa, e aguentou não se apresentar para o seu interlocutor, nem ali nem depois.

O cientista Miguel Nicolelis autografou muitos dos seus livros e também camisas do Palmeiras, apesar de não ter feito gols. Pepe e Coutinho autografaram muitas camisas juntamente com seus livros, apesar de nunca terem imaginado que um dia seriam biografados.

Pedro Paulo Sena Madureira dividiu suas vivências no mercado editorial com o público, e dividiu conosco outras histórias na mesa do bar, na companhia de Drummond, Clarice e Paulo Mendes Campos.

Propositalmente deixamos de convidar o Pepe e o Coutinho para o nosso jogo de futebol, é bom guardarmos algum respeito no ambiente.

Caprichamos em campo, e o nosso gringo preferido, o brasilianista Matthew Shirts, cravou dois tentos na quarta Tarrafa, artilheiro e conselheiro do festival.

Quando as luzes se apagaram, ao final da maratona com autores, uma surpresa triste aconteceu.

Um dos produtores do festival teve uma crise nervosa. Foi amparado por um poeta. Nas tentativas de entender o episódio e, após o susto, não chegamos a uma conclusão do que poderia ter causado o fenômeno.

Apesar de se trabalhar muito e de se exigir decisões rápidas, temos muitos momentos de lazer e risadas não são raras.

O que achamos é que, por ser escritor nas horas possíveis, o nosso produtor transbordou de outro jeito, num urro despressurizador, um grito de desejo de que esses dias não acabassem. Por esse lado acho que eu o entendo. Espero ainda conversar com ele, se ele quiser, é claro.

De volta ao balcão, na contagem regressiva dos dias, e feliz.

[02/09/2012 21:00:00]