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Selznick & Scorsese
PublishNews, 27/02/2012
Selznick & Scorsese

As adaptações cinematográficas de livros para crianças e jovens têm sido tema polêmico desde que Walt Disney levou para as telas clássicos infantis e que essas versões acabaram tornando-se universais. Nada contra Disney, devo dizer, até porque foi parte importante de minha infância e me lembro até hoje da maioria dos seus personagens. Pensar que a visão de infância, de família e de sociedade por trás de suas versões correspondem a uma visão de mundo da qual ele foi um fiel difusor ajuda muito a identificar o seu lugar. E, nesse sentido, os estúdios Disney cumpriram um papel que eu prefiro, em nome de minha memória afetiva, não demonizar, mas sim colocar no seu devido lugar, abrindo espaço e dando lugar aos clássicos nas suas versões originais.

Beber na fonte literária tem sido uma das maiores inspirações do cinema. E cinema e literatura se potencializam. Temos aí não só Harry Potter para comprovar, mas também toda a saga vampiresca que leva aos cinemas seus leitores, ou que no sentido inverso faz de seus espectadores futuros leitores. Há resultados melhores como os de Alice e Ponte para Therabitia, e piores como o frustrante Bússola de ouro, que acaba com o livro de Philip Pullman, apesar de todo o aparato hollywoodiano.

Conviver com adolescentes é um excelente termômetro para saber que eles dificilmente se conformam com uma única versão e que não só acompanham, como comentam, comparam e, quase sempre, optam pela versão literária, onde “tudo se encontra melhor explicado”. Mesmo nos melhores filmes, o tempo cinematográfico sempre é mais enxuto que o tempo na literatura e isso, se por um lado é compensado pela ação e pelo clima, por outro, inevitavelmente, deixa muitos detalhes de lado. Uma das observações (continuo no âmbito doméstico) que mais me chamaram a atenção em um dos filmes de Harry Potter foi feita por uma jovem: “no filme não dá para saber o que ele está pensando e por que ele está fazendo aquilo”. Evidentemente, trata-se de uma Harry Potteriana que sabe praticamente décor pensamentos e falas dos personagens.

De fato, é muito difícil a transposição de livros para o cinema. No caso de A invenção de Hugo Cabret, o filme me causou o mesmo impacto de quando vi pela primeira vez o livro na Feira de Bolonha, se não me engano, em 2006. Me lembro que o livro de Brian Selznick foi apresentado como projeto a uma editora espanhola que imediatamente veio nos chamar para que fôssemos ver algo com jeito de ser extraordinário. Na hora em que vi o livro, pirei com as ilustrações e com a estrutura – a leitura eu só faria mais tarde, já no Brasil. Arrisquei, pois tratava-se de um livro para um mercado que não estava no foco da empresa no Brasil, o de livrarias, e disse que o publicaríamos. Convencer o diretor da época foi fácil, pois o livro se vendia sozinho. Depois de um tempo, fiquei sabendo que muita gente ficou me conhecendo como a editora responsável por publicar Hugo Cabret no Brasil. Sem dúvida, trata-se de um livro para encher de orgulho todo editor.

O que chama a atenção no filme, em relação ao livro, é a fidelidade e a sintonia. Scorsese não só segue passo a passo as aventuras de Hugo Cabret, como reproduz o clima e o ambiente criados pelas ilustrações – sem dúvida, um guia muito seguro. A reconstituição cênica, os personagens, as ruas, os labirintos que conduzem aos distintos mecanismos dos relógios e o autômato, tudo remete ao livro de Selznick. Há uma identidade entre os dois autores – Selznick e Scorsese – uma identificação que resulta numa cumplicidade e num entendimento daquilo que é a alma da história de Hugo Cabret. Uma das grandes homenagens ao cinema e a um dos seus pioneiros Georges Méliès, o responsável por trazer a magia para as telas.

É exatamente nessa magia que se dá a confluência dos dois autores e que dá o caráter extraordinário a suas criações. “Esta noite me dirijo a vocês como vocês realmente são: bruxos, sereias, viajantes, aventureiros e magos. Vocês são os verdadeiros sonhadores!”, diz Méliès no fim do livro, no momento de sua homenagem. Leitor e espectador são envolvidos desde as primeiras páginas/cenas, nesse mundo de fantasia, aventura, magia e sonho que são a base de todo bom livro e de todo bom filme. A transposição do livro na linguagem cinematográfica se, por um lado, se manteve fiel ao original, como já vimos, por outro resultou numa peça artística de primeira linha. O livro de Selznick certamente foi uma grande inspiração para Scorsese, que lá encontrou matéria para expressar, mais uma vez, sua identidade com a sétima arte, só que agora pelo olhar de Hugo, um menino.

Ou, nas palavras, mais uma vez, de uma adolescente leitora: “O livro faz a gente imaginar tudo de um jeito; no filme a gente vê já imaginado. Mas, no filme de Hugo Cabret, fica uma sensação igual à de quando terminamos um livro de que gostamos muito...”.

Aplausos para Scorsese e vida longa ao livro A invenção de Hugo Cabret, certamente um long seller. E nada melhor do que a última frase do livro para descrever esta harmonia: “Naquele momento, o mecanismo do mundo se alinhou. Em algum lugar um relógio bateu meia-noite, e o futuro de Hugo pareceu entrar perfeitamente nos eixos.”

Em tempo: Saiu a programação completa do próximo Congresso do IBBY, que se realizará em Londres, de 23 a 26 de agosto de 2012, – vale conferir. Para maiores informações visite o site: http://www.ibbycongress2012.org/

Dolores Prades é editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens. É membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen e curadora da FLUPP. É também coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página - Seminários sobre Leitura, e da área de literatura para crianças e jovens da Revista Eletrônica Emília. Sua coluna pretende discutir temas relacionados à edição e ao mercado da literatura para crianças e jovens, promover a crítica da produção nacional e internacional deste segmento editorial e refletir sobre fundamentos e práticas em torno da leitura e da formação de leitores. Seu LinkedIn pode ser acessado aqui.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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