Acabo de saber que ela se foi.
Há pouco mais de um ano eu entrava na sala do departamento de revisão que ela comandava e pedia, quase por amor a Deus, para que ela e seus mais antigos funcionários me permitissem fazer uma espécie de documento em vídeo sobre a história da revisão no Brasil. Fiquei chocada: eles todos me disseram que não, que não iam tentar aparecer em cima do trabalho dos autores mortos. Nunca pensei dessa forma, via como uma homenagem aos mortos e aos vivos, que saberiam da história. Mas, se a Fátima disse não, é não.
Seu trabalho e sua história pessoal somados a sua personalidade criaram já em vida uma aura de super-heroína editorial. Difícil dizer quantas pessoas ela ajudou profissional e pessoalmente no mercado editorial carioca... Chegava aos gritos brigando com todo mundo no departamento editorial da Record (editora em que trabalhou por mais de 30 anos), mas, se você se mostrasse disposto a ouvir e aprender com ela, era de uma generosidade rara, muito, muito rara.
Com ela trabalhavam desde profissionais que revisaram autores renomadíssimos, como Carlos Drummond de Andrade, até recém-formados em Letras. Era impaciente e doce com todos em igual medida. Eu tinha e tenho especial adoração pelo seu senso de humor debochado! Eu ria muito quando ela resolvia enumerar trechos de traduções ruins: era sempre um grande momento! Pedimos várias vezes para ela escrever um livro e ela dizia que jamais escreveria porque sabia o trabalho que isso ia dar aos outros. Chegava gritando as barbaridades que tinha lido e soltava pérolas como “pra mim, ‘pano de fundo’ é cueca e ‘via de regra’ é vagina!”.
Fátima será lembrada e amada por muito tempo, não tenho dúvidas, mas há os órfãos dela que precisam ainda do apoio que ela dava. Falo dos revisores e de uma atleta. Os revisores (copidesques, preparadores, revisores de prova etc.) precisam de um líder que grite por eles que seu trabalho não é consertar tradução amadora ou texto que o autor não se deu o trabalho de pesquisar e finalizar. E a atleta é Maria Isabel Barbosa, a sobrinha-filha da “guerreira de Sapé”, que é tão guerreira quanto! Ei, as editoras nunca pensaram em patrocinar atletas? Está aí um bom momento, não acham?
Esta coluna, escrita às pressas, é para ela, que gostava de mimos e gostava de mimar (a Revisão era o lugar das comidinhas gostosas para todos!). Talvez devesse ter sido escrita enquanto ela vivia, saudável, mas eu nunca soube como abordar isso porque qualquer menção ao trabalho da Fátima era também menção ao trabalho da Record e eu tenho por lei jamais citar casas editoriais aqui. Só por ela, hoje, quebro essa minha regra.
* Revisado de forma desumanamente corrida por duas das eternas e orgulhosas “slaves de Fátima” Rebeca Bolite e Letícia Féres. Se passou erro, a culpa é minha, Fátima. ;)
Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.
Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.
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** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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