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Autores e seus editores: uma relação tão delicada
PublishNews, 15/07/2011
Autores e seus editores: uma relação tão delicada

Depois de um Polanski e diante de uma indecisão sobre que filme trazer, Mariana Rolier, minha colega editora, sugeriu que eu comentasse essa comédia pop. O filme de hoje é “A proposta” (The proposal), mas bem poderia se chamar “O diabo lê Faulkner”, porque parece uma referência direta ao filme “O diabo veste Prada” no mundo literário. Margareth (Sandra Bullock) é a diretora editorial odiada por todos: arrogante, insensível, manipuladora... e o filme é similar em várias as passagens nas agruras que acontecem no filme sobre moda, até no fato dela ter um assistente particular (Ryan Reinolds) que tanto serve de vassalo quanto protetor e a quem cabe executar as ordens maquiavélicas.

O que me fez trazer esse filme é que ele vai tratar da relação delicada entre autor e editor e isso acontece logo no início do filme.

Margareth trabalha num grande grupo e a concorrência, portanto, é acirrada. Um de seus autores preferidos, Frank, quer viver recluso, sem dar uma única entrevista. Ela precisa que ele vá ao programa da Oprah para garantir boas vendas, mas ele se recusa há anos. Então sai com uma frase direta. “Todos os autores precisam de publicidade. Ross, Lacorte, Russel e você. Sabe o que eles têm em comum? O Pullitzer.” E aí o convence a sair da clausura, que mais parecia tentar repetir Salinger. Veja dois trechos do filme aqui.

Não estou aqui para discutir se a publicidade é boa ou ruim, pois temos exemplos de que ela seja boa para uns e péssima para outros. Philip Roth é um desses que não dá entrevistas e continua bem aceito e seus livros sempre resenhados. Nós temos Rubem Fonseca, dentre outros. Mas essas são as exceções de clausura que geram um bom efeito sobre seus textos e curiosidade.

Mas o assunto aqui é a relação autor-editor.

Minha experiência diz que qualquer relação deve ter regras claras, se possível, por escrito. No mundo profissional não há espaço para palavra. Claro, há sim, mas só naquela parte que não há como por em contrato, de modo que tudo fique engessado. E sempre que tenho de explicar cláusulas do primeiro contrato da vida de um autor, minha crença forte, que às vezes externo, é: “a gente só discute quando existe uma questão não estabelecida”. No caso de contratos de livros, hoje, quase tudo está ali. Há editoras inclusive que estabelecem número de lançamentos, quem paga viagens, número máximo de livros para promoção, imprensa, descontos para autor, etc. Ainda assim, na relação entre autor e editor há coisas que só funcionam em base de confiança e respeito, pois trabalhamos com uma matéria que não se pode estimar valor. Alguns autores entregam aos editores um livro, mesmo que escrito em quatro meses, 30, 50 anos de sua vida, em forma de experiência, pesquisas. Algo que não poderá ser contado de novo. Por outro lado, todo o trabalho de um editor e sua editora é dar ao texto do autor o tratamento que, segundo sua experiência, poderá oferecer mais oportunidades de ser apreciado pelo maior número de leitores. E, durante essa trajetória, há coisas absolutamente intangíveis, imprevisíveis.

Nessa relação é importante o respeito mútuo e que o editor seja claro quanto às possibilidades da obra. Não raro, autores acreditam que a editora possui dom de transformar algo em sucesso. Não é verdade. Claro que uma boa distribuição, campanha de marketing, imprensa e divulgação são os primeiros passos, mas é tudo o que uma editora pode oferecer a um livro (se este for o caminho, pois há livros que são produzidos para poucos e não possuem um caminho mais agressivo).

Tempos atrás o Publishnews transcreveu um artigo dos EUA que falava das obrigações de um autor e de coisas que ele precisa saber sobre o processo editorial depois que entrega o livro. Eu acabei salvando o texto para mim e passei a adaptá-lo continuamente com base em minha experiência e mercados em que atuo, com o objetivo de um dia entregar essa cartilha aos meus autores nacionais no momento em que entrego o contrato. Não o fiz ainda porque todo mundo que trabalhava comigo achou os termos muito cruéis. rsrsrs... No início... Mas quando alguns autores começaram a cobrar, a estabelecer novas prioridades, a exigir sua participação em Bienais, feiras do livro, capas de revistas, citação em matérias onde outros autores foram consultados, meus colegas pensaram que os termos que eu colocava ali, afinal de contas, não eram tão cruéis assim. Um autor que publico há alguns anos, depois de muito reclamar sobre encontrar pilhas de livros de autores concorrentes nas livrarias onde passava, ele recebeu algo que poderia chamar de uma iluminação: entendeu que, ao se tornar autor, encarava como normal quando seu livro era encontrado, mas reparava muito quando só encontrava dos concorrentes. Quando foi fazer o inverso (procurar o dos concorrentes) descobriu que a proporção de encontro e falta era quase a mesma. Fiquei feliz por ele dividir comigo essa experiência.

É importante é que o autor saiba exatamente o que cabe a ele e à editora

Por exemplo: Quando fazemos um lançamento? Quando o autor tem um número razoável de pessoas para levar e que podem comprar livros. E isso é um número de amigos, não de gente conhecida, com quem trocou o cartão com ele alguma vez na vida. E como regra se espera que alguém que convide 300 pessoas consiga levar no máximo metade. E o número de livros vendidos tem de ser superior ao valor que uma editora investe num evento.

Há ganhos indiretos com o evento de lançamento? Sim. Raras vezes, cobertura da imprensa, contatos para outras vendas e eventos, matérias etc. Em geral, apenas nota de lançamento. Em 17 anos, essa é uma cantilena que explico religiosamente a todos os meus autores nacionais. E é necessária.

Há que ser claro, firme desde o início, sem perder a ternura.

Como a publicação de um livro envolve questões emocionais, é importante que o editor seja a figura mais centrada. O autor pode agir de forma impulsiva, passional, ter crises de insegurança, mas o editor não tem o direito de agir da mesma forma. Para o autor o momento é único. Para o editor, é o trabalho cotidiano. Se alguém pode ser frágil em algum momento durante o processo é o autor. Então, em todas as oportunidades (e prevendo a possibilidade de conflito), o editor tem de deixar claro o que pode fazer, o que vai efetivamente fazer e o que o autor pode esperar. Prometer demais ou omitir algo importante nesse processo pode provocar uma cena que nunca queremos ver. Um autor que se torna um estorvo na editora. Mas é bom que se saiba. Cuidar do autor, o que não quer dizer ser tornar seu psicólogo, é tarefa do editor. Afinal, foi a ele que o texto, algo tão íntimo e pessoal, foi confiado. Então esta é uma relação de cumplicidade; às vezes, de amizade, e de equilíbrio delicado. Comparo o editor ao gerente da conta, como numa agência de publicidade. E, se for bem atendido, o autor pode ser seu cliente para onde quer que vá.

Assim, aconselho sempre a novos editores: tratem os autores sempre com respeito, entendam suas necessidades, tentem fazer com que eles fiquem sempre confortáveis nessa relação e saibam que podem contar com seu trabalho e olhar para realizar, com seus textos, o milagre esperado: fazer com que encontrem os leitores.

Isso parece uma oração? Pois é. Na seara editorial temos até um santo padroeiro dos editores (deseperados), São Jerônimo.

Até a próxima coluna! Se quiserem sugerir um tema, mandem para o meu blog: www.faroeditorial.wordpress.com. Pretendo em breve comentar o filme francês “Crimes de Autor” (Roman de Gare), estrelado por Fanny Ardant.

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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