Primeiro, tenho de agradecer todas as cartas que recebi (não foram muitas, mas significativas). Segundo, quero aproveitar essa invasão na coluna Meio de campo para falar dos autores brasileiros que, como eu, escrevem livros infanto-juvenis e vivem muito bem sem agente literário. Pois é, não quis falar disso na outra coluna para não ficar chato o texto.

Eu, pessoalmente, adoro escrever para crianças e jovens. Sinto que a cada texto faço um update na minha infância e adolescência. Sim, porque se você pensa que as minhas experiências de vida naquela época valem hoje, você está num “buraco negro”, ops, “buraco afro”. Considere que terá de renovar todo o seu vocabulário e essencialmente os princípios de vida que irá passar para esse ser humano em formação.

Não, não. Não terá que fazer um curso de sociologia, ciências humanas, filosofia ou outros que entender que contribuem para a formação da personalidade do público infanto-juvenil. Olha, vamos para o lado prático.

Claro que você sabe que no Brasil temos os Parâmetros Curriculares (não sabe? Vai atrás dessa informação...) e os programas de compra de livros dos governos federal, estadual e municipal. Depois de uns seis meses conversando sobre esses parâmetros e os programas de compra, você já vai conseguir definir seu vocabulário. Todavia, não suponha que estará livre de umas tantas mudanças que os editores vão sugerir, baseado na sua experiência com os professores.

Outra coisa com dois lados é a fase de lançamentos dos livros. Não leu errado, lançamentos, no plural mesmo. Você pode viver a experiência de lançar vários livros no ano, e estar nos estandes de suas editoras em quase todos os dias das Bienais do Livro. Vou ficar só com a Bienais, para não copiar aqui a lista imensa de feiras de livro que acabo tendo de ir.

O lado ruim, que nenhum editor me leia (até parece que não vão me ler aqui no Publishnews!) é que às vezes olho a capa com o título do livro e meu nome e já nem lembro da história. Esses livros são curtos, têm limites de páginas conforme a faixa etária e outras normas que, a cada inédito, vou descobrindo com o editor. Por essa razão, fica mais na memória o processo de edição do que a minha história.

Já estou acostumado com começo mudado “porque a criança não vai entender”. A minha melhor cena desarranjada para professor adotar. Alterar a cor do cabelo da personagem para o ilustrador conseguir qualidade na impressão do seu trabalho. Cortar quase um capítulo inteiro e refazer o sentido porque não atende a padrões editorais da faixa etária da leitora. Enfim, se você gosta de escrever, sabe que se mexe demais no livro até ficar pronto.

Adivinhei o que está pensando: como você administra seus livros? Para não parecer que exercito o exibicionismo, sem números exatos, estou perto dos trinta livros publicados por dez editoras. Só para lembrar, uso o mesmo sistema sugerido na coluna anterior, planilhas, aplicativos para minha memória, sistema de cobrança, enfim, tudo que citei lá.

Ai, ai, ai, essa pergunta de como consegui dez editoras é sempre muito difícil de responder. Entre o primeiro livro e o último, passaram-se 20 anos de erros e acertos. Os erros mais comuns: não sei quem é quem na editora e assim o texto some lá dentro; mando o livro da coleção de uma editora para outra (aqui você tem de ser rápido e mudar os textos); recebo o livro pronto e fico pedindo o contrato (acontece sim, por causa dos tais programas de compra do governo); as imposições de ilustradores que mudam toda a mensagem da história no traço.

O segredo é persistir sempre, não ligar para a palavra “não”. Só não pense que a faxineira vai convencer o diretor editorial a publicar sua obra prima... Isso nunca vi acontecer.

O que? Relato toda a minha experiência de coração aberto e você quer desistir? Fala sério comigo, você só pode estar de brincadeira.