À luz de Giannetti
PublishNews, 17/06/2011
À luz de Giannetti

Uma curiosidade que se manifesta em alguns escritores com quem convivo: vários não dirigem. Alguns guiam, mas não gostam. Outros nem isso. Parece que não combinam com a desenvoltura ao volante, são distraídos e adoram trocar idéias que ziguezagueiam tanto quanto o carro.

Lá na minha livraria uma das mais importantes atividades é a de levar escritores para realizar encontros à beira-mar, em Santos. Boa parte destas experiências é o combustível que incendeia estes artigos de memória, que se transformam nestas passagens.

Estava agendando com um já amigo, o filósofo e economista Eduardo Giannetti, autor de Auto-engano e Felicidade, ambos da Companhia das Letras, um bate-papo com o público para discutir as idéias em torno de seu mais novo livro, o Valor do amanhã.

Nesta obra, o filósofo discorre sobre dois tipos principais que povoam a humanidade no novo e no velho mundo: o homem devedor e o homem credor. O brasileiro claramente se comporta como devedor, preferindo usufruir dos prazeres agora para arrumar a casa (e as contas) depois. Já no velho continente o comportamento é de maior tolerância. Abre-se mão agora para mais tarde colher os bons frutos deste planejamento. Giannetti desmembra em muitos caminhos e aspectos esta relação do tempo com a economia, numa obra que deseja ser um clássico no futuro.

Mandei o carro para São Paulo (grande Correa, o taxista e personagem!) e achei interessante subir junto (para quem não é dessas bandas, explico: quando um santista vai a São Paulo, ele diz que vai subir porque sobe a Serra do Mar e depois desce pra Santos, claro). Pensei num plano que acabaria com dois problemas. Resolveria o fato de não ter conseguido terminar a leitura do livro (fiz um cálculo e achei que em duas horas venceria as 50 últimas páginas de um total de quase 400) e voltaria discutindo as passagens com o autor, já estipulando caminhos e pautas para a mediação que faria com escritor e a platéia santista.

Fui disciplinado, sentei no banco traseiro de boca fechada e mergulhei no delicioso ensaio. Chegamos ao destino mas ainda faltavam umas páginas. A noite caía depressa. Caminhei até a porta do sobrado, havia uma luminária bem na entrada. Me arrumei no foco da luz e terminei a leitura ali mesmo, na porta, do lado de fora. Terminada a leitura, toquei a campanhia, cumprimentei com alegria o meu convidado. Descemos a serra numa animada conversa, que começou no carro e terminou no palco do auditório na cidade de Santos. Que correria, mas missão cumprida!

José Luiz Tahan

tahan@realejolivros.com.br

[16/06/2011 21:00:00]