A decisão de Eisler é uma referência para onde estamos indo
PublishNews, 02/05/2011
Autopublicação: aonde isso vai chegar?

Eu não estava planejando escrever um post nesse fim de semana (*), mas aí Joe Konrath e Barry Eisler me contataram no sábado para contar o que Barry está fazendo. Eu li a longa conversa entre eles sobre a decisão de Barry de recusar um contrato de US$ 500 mil (aparentemente para dois livros) e se unir a Joe (e a muitos outros, mas nenhum que tivesse recusado meio milhão de dólares) e ser um autor autopublicado.

Para usar uma metáfora que se conecta com as notícias atuais: isso é um grande terremoto. Esse não vai causar um tsunami e um desastre nuclear, mas é melhor acreditar que vai levar todo mundo vivendo perto de um reator – ou seja, todo mundo trabalhando em grandes editoras – a fazer uma nova rodada de análise de riscos. Pois, de certa forma, isso é mais ameaçador do que o terremoto que acabou de acontecer no Japão. Esse autor autopublicado vai certamente gerar seguidores de forma mais direta.

Com a notícia da decisão de Eisler se espalhando, os fones vão começar a tocar nas agências literárias da cidade com autores perguntando aos agentes: “não deveríamos fazer isso?”

Quero introduzir uma perspectiva de outra parte do mercado editorial: as revistas acadêmicas. Alguns anos atrás perguntei a meu amigo Mark Bide, um cara muito esperto, que conhece essa parte do mercado melhor do que eu, como poderia saber se o modelo de negócios das revistas – que se resume a publicar trabalhos que a universidade pagou, através do salário, para o professor escrever, e depois vende a versão publicada de volta para a biblioteca da universidade – estava ameaçado. Mark me mandou olhar suas assinaturas. Enquanto os autores-acadêmicos sentirem a necessidade de serem publicados, o modelo da revista continuaria a funcionar.

Não sou o único que sabe, há muito tempo, que a autopublicação acabaria mostrando a grandes autores a oportunidade de acabar com a intermediação de seus editores, mas não pensava quando levantava essa questão que as revistas de ciências-tecnologias continuariam por muito mais tempo. Agora já não estou mais tão seguro.

A decisão para Eisler, na base, foi bastante simples. Com o que ele aprendeu de seu amigo Joe Konrath, que parece estar ganhando ao redor de US$ 500 mil por ano com autopublicação depois de uma carreira como autor sem best-sellers em editoras estabelecidas, e o que Eisler aprendeu sozinho autopublicando um conto, foi que pode ganhar mais, muito mais, no longo prazo com autopublicação. Isso não tem a ver com ego ou vaidade; não tem nada de ódio contra o mercado editorial. É uma decisão friamente calculada (por um escritor que deveria fazer isso bem; ele começou sua vida como agente secreto da CIA) que diz, na verdade, “não seria inteligente receber meio milhão de dólares considerando o que eu teria de entregar para ganhar isso”.

Na conversa entre os dois, que acabaram de publicar, Konrath e Eisler tocaram em muitos aspectos da interação editor-autor e o interesse do último. A conversa é inteligente, sofisticada e principalmente divertida (apesar de ser muito longa; será que deveriam ter contratado um editor?). É uma conversa que todo mundo na indústria pensando em seu futuro provavelmente vai ler mais de uma vez (principalmente os pontos altos, que certamente serão extraídos por muitas pessoas do texto completo). Contido dentro desse diálogo existem alguns pontos aos quais há réplicas válidas que poderiam ser feitas. E certamente alguns apontarão o fato de que os números da BookScan de Eisler sugerem um declínio no apelo comercial. Mas, no esquema geral das coisas, as porções discutíveis são menores e o fato de que suas vendas através de editoras estivessem declinando mitigaria as expectativas para ele, de alguma forma, e faz com que qualquer sucesso que alcance sozinho seja ainda mais notável.

A essência é que um autor acabou de tomar uma decisão inteiramente racional de recusar meio milhão de dólares de uma grande editora para se autopublicar. O que é dito no diálogo deles, mas talvez não seja tão enfatizado, é que a mudança de direção faz com que essa decisão provavelmente faça mais sentido para mais autores a cada semana que passa.

O que fazemos aqui no The Shatzkin Files é tentar fornecer ideias sobre as implicações de notícias em vez de informá-las melhor que os outros. Se as implicações da autopublicação para o modelo de negócios de editoras estabelecidas são de seu interesse (o que estaria fazendo aqui se não fossem?), então você precisa ler todo o diálogo que publicaram e os informes que outras pessoas fizeram sobre isso. Vou limitar este post (mais longo do que o normal) a alguns pontos que, na maior parte, têm a intenção de aumentar a discussão entre eles, em vez de afirmar ou corrigir.

1. Eles não fizeram a matemática sobre o que a perda na venda de livros impressos e em merchandising poderia significar em dólares e centavos, nem como resolver isso.

Um dos temas que estive trabalhando para algumas das conferências que estou planejando é como os argumentos sobre direitos, royalties e influência das editoras mudam quando o equilíbrio entre vendas digitais e impressas continua a mudar. Essa conversa não pode esconder que muito mais do que a metade da maioria das vendas de livros, talvez mais de 70% da maioria dos títulos, ainda são cópias impressas que são vendidas porque estão à mão numa livraria física. E isso nos EUA. O número é maior no Reino Unido e quase certamente mais de 90% na maioria dos outros lugares no mundo. Então mesmo se a matemática que Konrath e Eisler apresentaram mostrando que a parte do autor na venda de e-books pode aumentar três ou quatro vezes através da autopublicação, mesmo se ignorarmos (como eles fizeram) o fato de que a maior porcentagem estará no preço menor de varejo (eles divulgam que o menor preço no varejo é uma forte motivação para a mudança); e mesmo se esquecermos os custos de tempo e a real despesa envolvida na autopublicação, o autor que segue essa fórmula precisa levar em conta a perda de presença e renda do canal varejo.

Mas, dito isto, a mudança para digital parece aumentar em velocidade no mundo todo. A porcentagem de vendas impressas vai continuar declinando. Eisler teria assinado um contrato para um livro que sairia daqui a um ano e o digital será mais importante naquele momento, talvez o dobro do que é agora. E, como ele mostra na conversa, o livro que um editor iria publicar daqui a um ano estaria vendendo e distribuindo renda por um ano antes de a editora ter algo no mercado. Para parafrasear o autor e editor Mark Twain, “a autopublicação vai dar a volta no mundo antes de o editor tradicional sair da cama”.

E isso me leva a...

2. Ficaria espantado aqui se a Barnes & Noble não detectasse uma oportunidade para fazer algum tipo de acordo completamente diferente. E se a B&N fosse até Eisler e dissesse: “gostaríamos de comprar os direitos para vender seus livros só para nossa base de clientes”? Não vejo por que ele não diria “sim”.

O que estou visualizando aqui é algo como um acordo estilo clube do livro. A B&N paga um adiantamento e licencia o direito de imprimir suas próprias cópias para vender através de suas próprias lojas e pela internet. Isso poderia funcionar de várias formas, mas uma poderia ser que eles pagassem royalties baseados no preço de venda real de cada cópia. Isso permitiria que gerenciassem o risco de impressão porque poderiam baixar o preço quando as vendas diminuíssem.

Isso poderia levar (ou até obrigar) um distribuidor como Ingram ou Baker & Taylor ou Charles Levy a fazer uma oferta similar de imprimir cópias para venda através de outras livrarias. As grandes editoras assumiram uma posição firme (que, em minha opinião, estarão pensando em como voltar atrás daqui a um ou dois anos) contra a compra de direitos de impressão, mas pode-se entender que uma editora menor ou um distribuidor, olhando para a grande capacidade subutilizada para impressos nos próximos meses, possam ver o mérito comercial de entregar o lado impresso de um grande best-seller em formato e-book.

Konrath agencia todas suas vendas através do CreateSpace da Amazon, que permite que seus livros estejam disponíveis em formato impresso para sua base de clientes on-line. Mas ele não fala sobre o programa PubIt da B&N ou de colocar seu título na Lightning Source, o que o tornaria disponível como impresso on-line de forma mais ampla. Nenhuma dessas soluções coloca inventário especulativo nas lojas, no entanto, e isso é necessário para conseguir o marketing completo e o impacto de vendas para qualquer livro hoje (e provavelmente por alguns anos ainda).

3. Como Konrath provou ser um combo multitalentoso estilo “faça você mesmo” e descobrindo recursos, a conversa não passa por todos os fornecedores de serviços que podem ajudar o potencial autor autopublicado por comissão ou por uma porcentagem muito menor do que uma editora cobraria. Mencionam a Smashwords, que é uma, e a CreateSpace. Mas a gigante da autopublicação Author Solutions e lulu.com não são mencionadas. Nem a BookMasters, uma empresa com a qual trabalhamos em Ashland, Ohio, que oferece vários serviços de autopublicação, incluindo acesso a todas a exigências de edição discutidas por Konrath e Eisler junto com alguns acordos com intermediários que muitos autores vão precisar. A Perseus está construindo um conjunto parecido de serviços, aumentando o Constellation, que começou como uma forma de permitir que sua lista de clientes de distribuição impressa passasse à publicação digital. E Ingram tem um conjunto de capacidades que poderia ser aumentada se eles escolhessem investir para ser uma plataforma de serviços ao autor. A Agência Literária Scott Waxman é a primeira a ter criado um braço de edição digital que, com uns ajustes, poderia fornecer aos autores a ajuda que eles precisam. Não serão os únicos.

O único problema da conversa Konrath-Eisler, para mim, foi centrar na Amazon, apesar de que existe um lugar na conversa que começam a reconhecer que as vendas do Nook da Barnes & Noble estão se tornando significativas. (Alguns editores me contaram que o Kindle declinou de uma parcela que chegava aos 80% para algo perto dos 50% enquanto que o Nook agora é responsável por 25% das vendas de e-books nos EUA.) Eles não mencionam a Kobo, que poderia ter uns 7% agora. A Sony ainda está na disputa. E a iBookstore da Apple não deveria ser ignorada. E a Google e-books é a tábua de salvação para livrarias independentes venderam e-books. Nenhum autor que quiser ficar bem com as independentes pode se dar ao luxo de ignorar a Google e não colocar seus livros ali. Na verdade, os executivos da Random House nos contaram que o crescente uso da Google pelos independentes era um fato em sua decisão de nivelar a disputa de preços passando para o modelo de agência no mês passado.

E com a criação de caminhos para vender livros em inglês no exterior, esses players – além da Amazon e da B&N – se tornam ainda mais importantes.

Quando Konrath começou a se autopublicar, há dois ou três anos, trabalhar exclusivamente com a Amazon fazia total sentido como um esforço para ser recompensado. Está se tornando cada vez mais importante cobrir mais pontos de distribuição, mesmo digitalmente.

Mas isso não muda muito o cálculo para a decisão de Eisler. Já existe gente no mercado que pode ajudar a espalhar os e-books além da Amazon e, com certeza, haverá ainda mais. A conversa imagina esse tipo de fornecimento de serviço. E (se forem competentes) os que estão agora no mercado estarão brigando para mostrar a Eisler o que podem fazer por ele.

4. OK, aqui falo em que ponto esses caras erraram. Erraram quando falaram de beisebol. O post deles está cheio de coisas inteligentes, mas a interpretação da história do beisebol está equivocada.

Estou me referindo à observação de Konrath sobre as Ligas de Negros no beisebol, sugerindo que a razão pela qual as Ligas Principais permitiram a entrada de negros era porque a Liga deles tinha se tornado superior à Liga Principal. Na verdade, isso não está correto. Apesar de que algumas disputas integradas naqueles anos terem realmente resultado em equipes de negros vencendo as de brancos de vez em quando, isso não sugeria – e certamente nenhum dos donos ou fãs dos times da Liga Principal pensava isso – que o nível geral era mais alto na Liga Negra. Não era.

Vencer um concorrente que tinha de alguma forma demonstrado sua superioridade nunca foi a motivação para que as equipes da Liga Principal se integrassem. Tinha tudo a ver com competir um com o outro e não ignorar talentos. A verdadeira história poderia conter uma lição útil para o legado no mercado editorial de hoje.

O que levou Branch Rickey a contratar Jackie Robinson era puro zelo competitivo. Ele queria ganhar. Queria bons jogadores para ajudá-lo a ganhar. Se estivesse perdendo alguns bons jogadores ao ignorar os negros, pararia de ignorar os negros.

Quando deixou de ignorá-los, outros times o seguiram. E em pouco tempo, a Liga Negra estava destruída porque os melhores jogadores que eles tinham estavam jogando nas Ligas Principais.

Um efeito similar enfraqueceu, se não destruiu totalmente, as editoras cristãs nos EUA. Há um quarto de século, as editoras e livrarias cristãs existiam num universo paralelo ao comércio secular: editoras, lojas grupos de representantes diferentes. Simplesmente diferentes. Então, a expansão das superlivrarias e alguns grandes best-sellers cristãos levaram as grandes cadeias a começar a vender os melhores títulos das editoras cristãs. Isso enfraqueceu as livrarias cristãs, que eram as únicas a vender a grande quantidade de títulos das editoras cristãs o que, por sua vez, também enfraquece estas.

Claro, Eisler ainda não mostrou se vai dar certo. Ele tem um livro para lançar no Dia dos Pais pelo qual recusou US$ 250 mil para sair perto do Dia dos Pais. Se a dúvida é se ele vai ter ganhado seus US$ 250 mil naquele ponto, em que você apostaria? Seria algo que me parece extremamente ambicioso, mas se conseguir vender por US$ 4,95, não é totalmente inconcebível. E, é claro, também daria para estabelecer que “sucesso” é algo que está muito abaixo disso.

Se o establishment das editoras tradicionais pode desenvolver ferramentas para criar marketing em escala, ajustar seus contratos para pagar royalties digitais mais altos e, talvez, oferecer um modelo de “comissão por serviços” junto com seu modelo “avanços contra royalties”, como fez a Liga Principal de Beisebol, talvez isso possa enfraquecer a infraestrutura que está se desenvolvendo e que vai aumentar a tentação dos autores (e leitores) a abandoná-lo. Mas também pode ser que eu estivesse correto há quatro anos quando disse que as editoras de livros gerais eram dinossauros no emergente mundo do mercado editorial do século XXI. Não foi um desastre natural o catalisador que levou à morte dos dinossauros originais também?


Konrath afirmou que a questão da autopublicação lhe dá mais tempo para escrever. Ele e Eisler expressaram frustração com as longas agendas e os processos demorados das editoras tradicionais. Da perspectiva deles, é um desperdício não começar ganhar dinheiro com os acessos da internet assim que o livro fica pronto nesta era digital, e é uma restrição de vendas e lucros desnecessária publicar apenas um livro por ano, ou até mesmo por temporada.

Tentei chamar Joe para falar em conferências, com total falta de sucesso, porque ele acha que o melhor marketing que pode fazer é simplesmente continuar escrevendo. Novas histórias o ajudam a fazer marketing de si mesmo mais do que aparições públicas. Como ele também gosta mais de escrever do que falar e prefere ficar em casa a viajar, é bem difícil pedir que perca um dia escrevendo para conversar com um bando de estranhos.

O trecho da conversa deles sobre ficar focado em gerar saída editorial foi um dos elementos mais persuasivos de todo o diálogo. Um editor se ajudaria muito se focasse nessa questão também e pensasse no tempo de um escritor como um recurso tão valioso que deveria ser devotado, o máximo possível, a fazer o que aquele escritor pode fazer e que mais ninguém pode. E isso é “escrever”.



(*) Texto publicado originalmente em 21 de março de 2011

[01/05/2011 21:00:00]