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A poesia impressa no concreto da cidade
PublishNews, 18/03/2011
A poesia impressa no concreto da cidade

A inserção de poesias de vários autores em diferentes espaços das estações de metrô em São Paulo é um projeto cultural muito bem realizado e provoca a sensação de uma estranha realidade dos poemas, como se as palavras, seus significados e sonoridades reverberassem o concreto das paredes onde estão impressos.

Nestas estações, a poesia parece posta à prova de suas próprias palavras, sua hora da verdade no encontro passageiro com o pedestre-leitor: ou fala ali, a seco, ao instante de cada um, encontrando algum eco e diálogo, ou permanece estampada na parede, inerte e indiferente.

A seleção de poesias nas estações é primorosa, de alguma forma ela está integrada àquele mundo subterrâneo e de passagem – lugar mesmo da poesia –, suscitando pequenas reflexões, interrupções, indagações, revoltas, mobilizações, distrações e, por que não, o simples e tão pouco consumado prazer de usufruir um pouco de arte no cotidiano da cidade. Não se trata, claro, de comparar essa poesia decalcada em paredes com aquela impressa em livro e em papel, ainda um espaço garantido pela sempre louvável ousadia de editores de livros e também de revistas e cadernos culturais.

E foi essa impressão de concretude que tive ao percorrer a mostra “ocupação Haroldo de Campos H Láxia” na Casa das Rosas (Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em parceria com o Itaú Cultural). O ponto alto da exposição é o conjunto de poesias da obra “Servidão de Passagem”, de 1962, disposta em estranhos suportes de concreto ao longo da bucólica passagem da Avenida Paulista para a Alameda Santos.

Nesta servidão, de pé, na hesitação entre andar ou parar, com sol, frio, vento ou chuva, com os ruídos e as interferências urbanas, diante de passantes que têm as mais diferentes reações ou indiferenças, a poesia de Haroldo de Campos parece encarnar o “real” das históricas e dramáticas discussões entre forma e conteúdo e dispara a força do projeto estético e político do autor. Deslocada da posição convencional e defendida de leitor – com páginas que podem ser folheadas e livros que podem ser fechados –, a leitura na pedra e no chão da cidade ganha uma intensidade diferente. “Servidão de Passagem” é uma obra militante; ler hoje poemas como os que falam da fome e da exploração ainda emociona e provoca duro impacto.

A Casa das Rosas fica em um trecho muito interessante no começo da Avenida Paulista, próxima a modernos edifícios símbolos da “pujança” paulistana, mas também de três prédios antigos pelos quais é interessante e agradável passear: o Hospital Santa Catarina, e seu jardim de mosteiro medieval, o Colégio Rodrigues Alves, e a memória do projeto republicano de alfabetizar para formar cidadãos, e o Instituto Pasteur, emblema da saúde pública como política e dever do Estado, presenças que formam como que um “compensado” de tempo e de história, o passado e seus projetos políticos mais do que nunca presentes no principal cartão-postal da metrópole que, como regra, destrói para construir.

Dentro da Casa das Rosas, a exposição é composta de quatro pequenos ambientes, que evocam um pouco da trajetória, das publicações e das experiências sonoras gravadas de Haroldo de Campos (1929-2003). Para não terminar, um pouco da poesia de Haroldo de Campos em “Servidão de passagem”.


poesia em tempo de fome

fome em tempo de poesia

poesia em lugar do homem
pronome em lugar do nome
homem em lugar de poesia
nome em lugar de pronome
poesia de dar o nome
nomear é dar o nome
nomeio o nome
nomeio o homem
nomeio a fome
no meio a fome

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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