Analisar a cadeia de suprimentos pode ficar mais importante
PublishNews, 19/01/2011
Analisar a cadeia de suprimentos pode ficar mais importante

A necessidade dos editores de reduzir o custo operacional dos livros de capa dura, a realidade de que é inevitável termos menos e menores livrarias, e a questão da diminuição do espaço em prateleiras de forma geral são tópicos que já exploramos antes. Mas é intrinsecamente difícil para aqueles que estão no mercado editorial há décadas visualizar a vida sem um robusto canal de livrarias. As atuais notícias sobre a Borders sugerem que não será necessário ficar imaginando esse futuro por muito tempo.

Uma coisa que mudou consideravelmente nos últimos 20 anos é o grande aumento em informação disponível para editores sobre o que está acontecendo na cadeia de suprimentos: quer dizer, eles conseguem acompanhar a trajetória dos livros desde seu depósito até a compra pelo consumidor final. A grande quantidade de informação, claro, é fornecida pela BookScan, baseada na captura de dados na caixa registradora quando os livros são vendidos nas lojas de todo o país. A BookScan não só deixa que seus assinantes vejam a atividade de seus próprios livros, ela também permite que todos vejam todos os livros na indústria.

Por mais valiosos que sejam os dados da BookScan para poder identificar tendências e o desempenho da concorrência atual e de potenciais concorrentes no mercado, eles também possuem limitações. Conhecer as vendas sem conhecer o estoque é como conhecer o número de jogos que uma equipe ganhou, sem saber quantos jogos eles disputaram. Alguns livros que estão baixos nos dados da BookScan nunca tiveram chance: não havia cópias suficientes nas lojas para permitir uma venda robusta. E alguns livros que estão mais alto nos dados da BookScan não serão lucrativos porque o número de cópias distribuídas que não vão vender (e que vão terminar nos depósitos da editora) é mais alto do que o número de venda.

Há uma década, com Barnes & Noble e Ingram como pioneiros, as maiores lojas e distribuidoras começaram a fornecer dados às editoras sobre o desempenho daquele parceiro no inventário deles. Esse dado tinha a vantagem de ser bem mais completo e analisável, mas uma editora só podia olhar o desempenho de seus próprios livros. Como a BookScan apresentava um resumo de vendas globais e de todo mundo, seu relatório conquistou o interesse de toda a indústria: de editores e marqueteiros aos altos executivos. Mas a visão mais granular do próprio inventário da empresa fornecido por relatórios de contabilidade individuais era ouro puro para os departamentos de venda e para a crescente função de gerenciamento de suprimento em cadeia.

Quando começamos a ajudar editores a entender esses relatórios no começo da década, a prática na maioria das editoras era que alguém no departamento de vendas olhasse as planilhas semanais, extraísse tudo que conseguissem e depois as jogasse fora quando chegassem os relatórios da próxima semana. Recebemos uma missão do nosso amigo Charlie Nurnberg, então vice-presidente e diretor de Vendas da editora Sterling, na época independente. (É pura coincidência que o nome de Charlie nunca tivesse aparecido no blog até meu último post e agora esteja em dois consecutivos!)

Charlie nos disse: "Há anos temos mil títulos em nosso catálogo. Recebia o relatório barra verde da B&N (houve um tempo em que todos os relatórios de computadores eram chamados barra verde) a cada semana e o repassava com pente fino e sabia tudo que estava acontecendo. Agora temos cinco mil títulos no catálogo, deleguei o acompanhamento da B&N para duas pessoas e sei que as coisas estão sendo deixadas de lado. Pode me ajudar resolver isso?"

Para atender a esse pedido, fizemos duas coisas simples. Primeiro, criamos bancos de dados com os relatórios para podemos olhar os dados por um período maior do que uma semana de cada vez. (Para títulos rápidos, uma semana pode falar muito, apesar de não ser possível conseguir a visão de tendência que olhar para várias semanas pode dar. Para títulos mais lentos, as vendas de uma semana não dizem quase nada.)

A segunda coisa que fizemos foi construir algumas métricas simples para podermos ordenar os relatórios por algo a mais do que o inventário e a venda total por lojas e centros de distribuição que a B&N fornecia. Havia dois pontos centrais que olhamos de primeira: a porcentagem do inventário de venda nas livrarias da semana que tinha sido vendido e a porcentagem do estoque de livros que era mantido no centro de distribuição. O primeiro truque era procurar livros que tinham uma alta porcentagem de vendas, mas um número relativamente pequeno de cópias à venda nas lojas. Presumivelmente colocar mais cópias em lojas aumentaria as vendas sendo vantajoso para todo mundo. O segundo truque era encontrar os livros que tinham uma alta porcentagem de inventários no centro de distribuição. Esses livros, sentíamos, passavam pelo perigo de serem devolvidos. No geral, os editores preferem manter o excesso de inventário em seus depósitos.

Esses Flash Reports semanais rapidamente acabaram sendo valiosos. No primeiro dia que os mostrei a Charlie e sua equipe, organizamos a porcentagem no depósito em ordem descendente. Os dois livros no alto tinham cinco mil cópias cada em estoque, todas elas no depósito! Acontece que esses livros estavam ali há três meses. Havia um furo no sistema B&N - reparado quase que imediatamente como resultado dessa descoberta - que permitia que uma compra grande fosse feita por um comprador sem que houvesse um plano de distribuição para os livros. Gerentes de vendas nas editoras, focados em olhar para os livros em ordem descendente de vendas (que é o que Sterling e todo o resto faziam com aqueles relatórios), poderia nunca perceber que livros parados num depósito e não distribuídos nas lojas também eram incluídos na mesma planilha.

Essa ferramenta para descoberta foi bem-recebida pela Sterling, mas também pela B&N. A equipe de gerenciamento de inventário deles compreendeu que ter editores fazendo boas análises de seus dados também poderia ser útil a eles.. Afinal, os livros no depósito eram ruins tanto para a B&N quanto para a Sterling; aquele investimento em inventário estava em seus gastos (e esses livros em particular tinham sido comprados no método "sem retorno"!)

Com o tempo, o negócio de vender análise de dados de vendas cresceu para nós. Além dos Flash Reports semanais, desenhamos Stock Turn Reports para permitir análises significativas de catálogos com vendas mais lentas. Começamos a contar o giro total de estoque dos livros de uma editora por seção da loja, o que era necessário para realmente decidir se o giro do estoque de um título era bom ou ruim. Um giro de 1,3 pode ser terrível em ficção, mas poderia ser algo heróico em filosofia ou poesia. Toda essa análise começou a mostrar as realidades da economia das lojas para os representantes de vendas e levou-os a pensar da mesma forma que os compradores das lojas pensam, onde o giro do estoque é uma métrica central.

Não demorou muito antes de outros editores estarem usando o que chamamos de serviço Supply Chain Tracker e pedindo para que fornecêssemos a mesma análise a partir dos dados enviados por outros lugares. Logo estávamos fazendo análises parecidas para dados da Borders, Books-A-Million, Ingram, Baker & Taylor e Amazon. Para editores que usavam nossos dados cruzados, éramos capazes de fornecer uma visão muito mais ampla de como estava o inventário deles. Construímos planilhas mostrando qual era a porcentagem de vendas em relação a lojas e distribuidores. Essa informação ajudou nossos clientes a comparar o crescimento e a diminuição do inventário por todas as contas para responder ao crescimento e depois ao normal declínio das vendas de um título.

Descobrimos uma grande oportunidade nos relatórios cruzados. Procurávamos livros que vendiam bem na Borders, mas estavam mal na B&N e, claro, o número maior de títulos que estavam no sentido oposto: vendendo bem na B&N, mas com pior desempenho na Borders. Isso, e as diferenças grandes em giro de estoque e porcentagem de vendas entre as duas cadeias, deveriam fazer com que um diretor de vendas perspicaz, já há vários anos, esperasse os problemas que a Borders enfrenta hoje.

No auge, há uns quatro ou cinco anos, estávamos vendendo os relatórios da Supply Chain Tracker para várias editoras, incluindo Hachette, Harcourt, Chronicle e Motorbooks. Fizemos tutoriais sobre nossas técnicas para várias editoras grandes, entre elas S&S, HarperCollins, Penguin, Perseus e Scholastic. E a B&N apoiou nossos esforços para ensinar as técnicas analíticas para editoras universitárias, incluindo Harvard, Yale, Califórnia e Chicago.

David Young aprendeu o que estávamos fazendo quando dirigia a Little Brown UK e logo terminamos aplicando nossas técnicas para dados fornecidos a eles pela Waterstone's. Quando a TimeWarner foi vendida para a Hachette, nossos esforços foram espalhado para outras empresas da Hachette UK e, num momento, estávamos fazendo relatórios da Waterstone's para quatro divisões diferentes da Hachette em Londres.

Mas, com o tempo, as grandes empresas viram a importância desse tipo de análise de cadeia de suprimentos e começaram a realizá-la internamente, sendo que em alguns casos até a expandiram. Isso não foi bom para a Supply Chain Tracker, mas era a coisa certa para as empresas. Paramos de fazer esse trabalho para clientes norte-americanos há dois anos; e nossos dois últimos clientes britânicos transferiram há pouco a função para um setor interno. Então, pela primeira vez em oito anos, a venda de análise de dados não é mais parte de nossos produtos.

O nível de sofisticação de gerenciamento de inventário na cadeia de suprimentos por grandes editoras deu um salto gigantesco desde que começamos a fazer esse trabalho. Acho que fomos um pouco responsáveis para esse salto. Essa análise vai, paradoxalmente, ter um valor comercial maior com o declínio nas vendas em lojas nos próximos anos. Conseguir os níveis corretos de inventário em anos de vendas relativamente estáveis era central para a lucratividade. Conseguir inventários e impressões corretos no período de declínio de vendas, que é a perspectiva para o futuro próximo, será central para a sobrevivência.


Falo com orgulho do fato de que ninguém mais que esteja organizando uma conferência sobre "mudanças digitais no mercado editorial" tenha escolhido apresentar os agentes - tanto seus desafios quanto suas opiniões - da forma como fizemos no programa da Digital Book World. Mas também estamos cobrindo o tópico desse post. Montamos um painel de executivos de vendas muito experientes (Jaci Updike da Random House, Michel Selleck da Simon & Schuster, Alison Lazarus da Macmillan, e Rich Freese da National Book Network e moderado por David Wilk, que têm anos de experiência em vendas de livros) para conversar sobre a evolução do departamento de vendas. Encontrem isso em outro programa de conferência sobre mudanças digitais! E boa sorte para o editor que queira navegar pelo futuro sem agentes e sem gerenciar a cadeia física de suprimentos de livros impressos.

Trad. Marcelo Barbão

[18/01/2011 22:00:00]