O paradigma de vendas precisa mudar
PublishNews, 24/11/2010
O paradigma de vendas precisa mudar

Uma das funções do meu blog é prever importantes mudanças no mercado pouco antes que elas aconteçam. Nossa opinião é que conseguimos prever com uma pequena antecipação a curva de aceleração dos e-books, e também a provável pressão sobre o espaço das prateleiras de livrarias. Hoje, parece que o próximo grande ponto de pressão nas editoras será na área comercial. Nos próximos dois anos, esta área deverá mudar mais do que mudou no último meio século.

Quando aprendi como as editoras funcionavam, nos anos 60, os representantes comerciais (chamados frequentemente de "os caras") eram a conexão central entre os editores e o mercado. No começo dos anos 60, a coisa mais próxima às redes de livrarias modernas eram os departamentos de compras de lojas de departamentos que pareciam estar todos amontoados em pequenos escritórios na rua 42 perto da 5ª Avenida. Lojas de departamento regionais – Marshall Fields em Chicago, Rich's em Atlanta, Halle Brothers em Cleveland – eram contas grandes e importantes.

Como os representantes eram a chave para colocar os livros nas mãos dos leitores, tudo girava em torno de mantê-los informados e animá-los, tudo tinha de passar por eles. Assim, era necessário agrupar os livros por “estações do ano”, organizá-los em catálogos e preparar materiais de venda (lista de dicas, sobrecapa, bonecos para livros ilustrados) de uma forma organizada. Isso exigia que as listas de publicação fossem congeladas algumas semanas antes das conferências de vendas, que aconteciam alguns meses antes do envio dos primeiros livros da lista.

Hoje, os representantes de vendas são responsáveis por algo entre 5 a 15% das vendas das editoras. As maiores contas: Amazon, Baker & Taylor, Barnes & Noble, Borders e Ingram (e grandes redes varejistas como Costco, Target e Wal-mart para as maiores editoras) representam pelo menos 70% do negócio, ou até mais. Esses clientes estão quase sempre cobertos por equipes de vendas nacionais, não por representantes regionais.

E estas equipes de vendas nacionais não trabalham mais com catálogos ou lançamentos sazonais; trabalham na base de lançamentos do mês. Cada conta nacional possui suas próprias regras e regulamentos que controlam o momento em que precisam ter informações sobre os livros de um determinado mês. Se as reuniões acontecem mensalmente ou com menor frequência, a estrutura da apresentação se faz em função de cada entrega, não de catálogos sazonais.

Parece evidente que os recursos investidos na área comercial não mudaram no mesmo ritmo que os canais de vendas. A proporção entre contas nacionais e negócios locais passou do que poderia ser 50-50% há 20 anos, para 80-20% agora. Mas as forças desse setor não diminuíram na mesma proporção. O fato de que 80% do mercado agora não obedece mais a temporadas sazonais ou catálogos não mudou o procedimento na maioria das editoras de construir o marketing ao redor de temporadas e catálogos.

Eu falei com alguns vendedores veteranos para confirmar minha ideia de que a estrutura organizacional de venda das editoras não mudou tanto quanto a estrutura da base de contas. Um deles falou algumas coisas bem importantes. Afirmou que os cortes nas áreas comerciais de atuação local têm sido lentos porque os representantes têm grande visibilidade no mercado. Livrarias independentes influentes, que possuem uma presença pública maior que suas vendas, querem ser visitadas e reclamam quando não são. E os publishers nas editoras, que brigam por atenção para seus livros, não gostam de ver cada vez mais títulos sendo vendidos por cada vez menos representantes.

Esse mesmo veterano de vendas também sublinhou que tanto marketing quanto divulgação estão passando por uma reestruturação similar e não mudaram tanto quanto deveriam. Ele lembra que o atendimento da Amazon realmente exige talento e pensamento de marketing, não de vendas. Vendas, na opinião desta pessoa, consiste geralmente em convencer uma conta a aceitar um risco e fazer um bom estoque de um determinado livro. Mas a Amazon trabalha com algoritmos e não dá para convencê-los de nada. (Embora na realidade isto não seja um problema, pois se a Amazon ficar sem estoque eles compram o livro de um atacadista para atender o cliente. Por outro lado, se você não está na prateleira da livraria, por não vai fazer nenhuma venda.) Então, o atendimento da Amazon precisa se preocupar com palavras-chave, programas de marketing e metadata. Não tem a ver com vendedores, como em uma conta independente ou com navegar por uma complexa cadeia de fornecedores, como acontece nos grandes varejistas.

Várias experiências já foram tentadas na área de vendas de editoras. Há dez anos, a Random House tentou colocar representantes especificamente para visitar as filiais das cadeias de lojas. Isso sempre me pareceu uma boa ideia: gerentes e vendedores afetam as vendas, o contato direto afeta as vendas, e há muitas vitrines que são controladas localmente. Só um representante visitando uma filial pode ter alguma influência sobre essas coisas e um bom merchandising dos livros nas lojas pode significar mais vendas. Diferentes diretorias de cadeias de lojas (e algumas mudam de diretoria como algumas pessoas de sapato) possuem diferentes atitudes em relação a essas visitas. Poucas realmente veem os benefícios e apoiam. Algumas desencorajam em silêncio, outras tentam proibir. Se a Random House continuou esse esforço não sabemos, mas isso não se espalhou.

Mas como as livrarias independentes continuam fechando e diminuindo de tamanho, as editoras precisam inventar outras coisas para os representantes fazerem, a fim de mantê-los trabalhando. Visitar as filiais das grandes cadeias de lojas seria uma algo produtivo. Visitar jornais locais para divulgar livros ou descobrir um mercado alternativo (que não sejam livrarias) seriam outras duas coisas. Sabemos que uma grande editora estava tentando coisas assim há três ou quatro anos, mas aparentemente não funcionou. Essa mesma editora demitiu vários representantes há uns dois anos e trocou vários outros por telemarketing.

Os catálogos estão aos poucos se tornando apenas eletrônicos. A Harper começou o movimento por iniciativa própria há alguns anos. Agora, a Edelweiss, da Above the Treeline, está fornecendo uma solução para a indústria. Mas o planejamento de listas sazoanais ainda é o mecanismo predominante de apresentação de produtos ao mercado.

Eu simplesmente não acredito que o status quo possa continuar por muito mais tempo. Vender sazonalmente na era digital é loucura. Preparar catálogos impressos que estão ultrapassados antes de a tinta secar na era digital é loucura. E fazer com que toda a equipe de marketing da editora trabalhe ao redor de conferências de vendas e preparação de listas quando a maioria dos clientes não compra mais dessa forma é mais do que loucura. É preciso repensar completamente a forma como os editores colocam os livros no mercado. As divisões de responsabilidade entre os representantes de contas nacionais, os locais, os de televendas, vendedores e divulgadores precisa ser repensada.

Com uma quase certa queda nas vendas de livros impressos que seguirá o que parece ser o Natal do e-reader (e nosso novo dia vendas recorde: 25 de dezembro), acho que podemos esperar sérias mudanças nesse assunto em muitas editoras nos primeiros seis meses de 2011.

Percebi tardiamente que esse era um tópico bastante importante que não tinha sido tratado na Digital Book World. Será agora. Teremos um grande debate: Rich Freese da National Book Network, Alison Lazarus da Macmillan e Michael Selleck da Simon & Schuster vão discutir a mudança no papel do departamento de vendas das editoras em uma mesa moderada por David Wilk, um veterano de vendas e distribuição. Considero isso como um exemplo central da proposta diferente que estou tentando fazer na DBW: discussões sobre desafios no mercado causados pela tecnologia mesmo se o assunto em si não tratar diretamente de tecnologia.



[23/11/2010 22:00:00]