Meu encontro com José Mindlin e Proust
PublishNews, 29/10/2010
Zé Luiz Tahan relembra o dia em que conheceu Mindlin e comenta sobre o pacto que fizeram

O dono da maior biblioteca privada das Américas era um barato. Tinha um jeito simples, que conquistava quem vinha pela frente. Me lembro de um desafio lógico que o José Mindlin apresentou a nós quando se deparou com uma pequena vitrine de doces portugueses no interior da Realejo. Debruçado sobre o balcão mirava os doces e dizia: “Sempre faço este teste, sabem, sou muito controlado, severo até, e ao ver estes doces tenho duas opções. Se estou com muita vontade como logo, mas se aguentar meia hora sem comê-los me presenteio... comendo os doces!”

Neste dia conheci o Dr. José, ele deu uma deliciosa palestra e ainda encontrou alguns livros para comprar. Seu apetite era grande! Lembro que um deles foi o primeiro volume do Livro das mil e uma noites (Globo). Criamos um acordo, a cada novo volume que fosse lançado ele compraria comigo, dito e feito, depois de mais ou menos um ano saía o segundo da coleção, e lá fui eu telefonar para um dos mais ilustres clientes da nossa livraria.

Por aqueles dias fui visitado também pela minha grande amiga Estela, que era muito próxima do Mindlin. Contei que havia separado uma encomenda para o seu amigo, ela achou inusitado, claro. Em seguida disse que estaria com o meu cliente em sua casa, no dia seguinte. Pensei na lendária biblioteca e disparei:”Posso te acompanhar? Assim levo o livro que ele está aguardando.”

No dia seguinte entrávamos naquele lugar incrível, uma biblioteca abaixo do nível do chão, com estruturas metálicas, coalhada de raridades, acho que uns 35 mil volumes.

O nosso anfitrião estava numa sala mais íntima, com sofás e poltronas, janelões deixavam entrar luz natural. Estela lia para José Mindlin sempre que estava em São Paulo (ele já não tinha visão para leituras). Naquele dia, depois de ler as correspondências, ela pegou um dos volumes do Em busca do tempo perdido (Globo) e se pôs a ler em voz alta. Foi assim por umas duas horas, a música do texto enchia a sala e eu ouvia a melodia ao lado do Mindlin. A diferença é que ele entendia muito bem o francês. Estela lia no original.

Até hoje me lembro deste dia e desta entrega. A Editora Globo ainda não concluiu a publicação da coleção das Mil e uma noites, pena.

[28/10/2010 22:00:00]