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A um jovem produtor editorial brasileiro
PublishNews, 03/08/2010
Na coluna de hoje, Cindy Leopoldo sugere que estudantes não desistam do curso de Produção Editorial, mas mostra que há muito mais a ser feito

Minha última coluna provocou reações que eu nunca imaginei que pudesse suscitar e por isso volto a ela hoje. Recebi pelo Twitter as impressões de alguns colegas e achei curioso como pareciam ter visto pela primeira vez de maneira clara que eles realmente fazem muitas coisas diferentes que naturalmente exigem muitas habilidades diferentes. E então avisaram aos estudantes para pensar bem se queriam mesmo fazer a faculdade de Produção Editorial.

Isso me fez pensar que talvez eu esteja enfatizando os problemas e deixando as (possíveis) soluções muito vagas. Então pensei que, se eu pudesse dar uma dica a esses estudantes ou para quem está começando na profissão, ela seria mais ou menos assim:

Eu diria que fizessem, sim, Produção Editorial, mas que não parassem por aí. Há muitas outras habilidades exigidas no nosso dia a dia que não são da área de ciências humanas e elas estão se tornando cada vez mais importantes. Para buscar desenvolver essas habilidades não há um curso específico. Cito sempre o de gerenciamento de projetos, mas há outros, e para encontrá-los é necessário garimpar pacientemente as ementas de cursos pelos sites das universidades.

O gerenciamento de projetos (GP), por exemplo, é uma pós de Engenharia de Produção que tem tudo a ver com nosso trabalho. Cheguei a ele depois que minha chefe na época (a querida Elke Kropotoff) disse que estava cursando esse MBA e que eu poderia gostar. (Ela, por sua vez, começou a cursar por indicação de um diretor e exponho essa informação apenas para pedir aos que têm cargo de chefia para se lembrarem de ajudar seus subordinados na construção de suas carreiras. Isso ainda é raro, mas é fundamental.) O GP nada mais é que o gerenciamento de qualquer coisa que tenha prazo e custos limitados, isto é, quase tudo. Ele nos apresenta técnicas para gerenciar nove áreas comuns a qualquer projeto, seja ele um casamento, um livro ou um prédio: escopo, custo, qualidade, tempo, pessoas, contratos, comunicação, riscos e a integração disso tudo. Mas, confesso, ele só passou a ter sentido real na minha vida depois que soube que a inserção acidental de uma palavra alheia ao texto em uma determinada página de um determinado livro custaria 40 mil reais para a editora.

Lembro que naquele momento a responsabilidade da minha função caiu como um (ou mais) pianos na minha cabeça. Entendi que não era mais “só” a responsabilidade com o leitor, que merecia ter um bom texto, um bom trabalho gráfico pra facilitar a leitura. Havia a responsabilidade da gestão de um orçamento e de um cronograma que afetava a empresa inteira.

Assim, aos vinte e (bem) poucos anos, caíram sacolas e sacolas de fichas de uma só vez. Elas vieram mais ou menos dessa forma:

1 – O que eu sou.

Fiz Letras. Li a Ilíada, fiz dois anos de Latim, discuti tipos de gramática, analisei as literaturas portuguesa, brasileira, africana. O máximo que sei de Economia vem exclusivamente de Marx, mais especificamente da crítica literária marxista. Fiz estágio apenas na licenciatura, ministrei algumas horas de aula de português em uma escola do governo. Jamais imaginei que eu pudesse causar tamanho prejuízo ao meu local de trabalho. Na realidade, sobre meu local de trabalho ouvi falar sobre como lidar com alunos, mas não com colegas de trabalho e menos ainda sobre fornecedores. Acredito que o meu único tipo de inteligência com algum desenvolvimento era a intrapessoal e o máximo de gestão de pessoas que eu conhecia dizia respeito aos trabalhos em grupo – que eu sabia que a maioria esperava que um fizesse sozinho e colocasse os nomes dos outros.

Nunca tinha pensado em trabalhar com livros, considerava que um dia na vida poderia lançar um livro, mas jamais pensei em produzir os de outras pessoas. Realmente, eu não estava preparada para aquilo, e era uma irresponsabilidade fenomenal uma empresa contratar alguém tão pouco treinada para uma função tão importante para os autores e para a empresa.

Olhei em volta e vi que o departamento editorial era formado, em sua maioria, por profissionais formados em Jornalismo, Publicidade, Produção Editorial, Letras e História (não lembro de ter visto outras formações, mas deve ter). Façam uma busca nos sites das melhores universidades do país e vejam as disciplinas oferecidas por esses cursos. A verdade é que ninguém era treinado para isso, apenas tinha mais tempo de experiência naquela empresa. Pensei nas outras empresas em que havia trabalhado e era o mesmo.

2 – O que querem que eu seja.

O que estava claro para mim é que eu deveria ser excelente em tudo o que fosse relativo à língua portuguesa e investir em idiomas (principalmente, francês e inglês); o restante aprendia-se fazendo. Mas no dia a dia não era isso, ou só isso, que eu precisava. O mais necessário de tudo era uma compreensão plena do escopo para que eu pudesse me comunicar sem ruídos com os fornecedores para obter o máximo de qualidade dentro do tempo que eu tinha. Só isso... E resolvi buscar pistas nos anúncios de vagas. Aqui vão duas, uma em Londres e outra em São Paulo:

They are looking to appoint an Editorial Assistant to provide high quality editorial service for a range of print and online products. The key responsibilities include: building effective relationship with internal and external customers; liaise with external copyeditors, proofreaders, typesetters, data conversion houses and printers to ensure timely publication and high quality of published products; plan and prioritise workload to ensure delivery to schedule and within budget; structure content in preparation for XML conversion; responsible for carrying out post-conversion editorial work used within digital products; support other editorial team members by providing accurate and timely editing and/or proofreading service and reviewing & updating procedural documentation when required.

The successful candidate will have good proofreading skills and should have gained solid experience working in an editorial role. Ideally you will have some experience of editing legal or technical publications, working on in-house styles and content preparation for multi-channel publication. You will have excellent communication and organisational skills. Experience of working with Content Management Systems or Business Process Management will be an added advantage.

Fonte: http://www.thebookseller.com/122640-editorial-assistant.html

Nível de Conhecimento: Superior completo em Letras ou Ciências Humanas

Descrição:

Leitura em Inglês e/ou Francês, escrita desejável; Excelente domínio da Língua Portuguesa,

Experiência profissional em produção editorial com atividades relacionadas a: coordenação do processo de produção editorial, acompanhando preparação e revisão de texto, seleção, negociação e supervisão de prestadores de serviços no tocante ao cumprimento de contratos e prazos, desenvolvimento de atividades administrativas relacionadas ao editorial, controle de cronogramas;

Domínio de tecnologias de edição.

Fonte: http://www.cbl.org.br/telas/servicos/empregos-detalhe.aspx

Daí compreendi que todos querem quase as mesmas coisas, mas realmente entendem que só a experiência e as qualidades individuais (organisational skills) podem treinar o candidato dos sonhos. Vale dizer aqui que uma das frases feitas de que mais discordo é “isso não se ensina”. Tudo se ensina com o método certo para cada personalidade. Tenho certeza.

3 – O que eu quero ser.

Isso varia muito, muito, com o tempo e com as possibilidades que aparecem. Mas é sempre bom rever para saber se está no cargo certo, no curso certo, na empresa certa. Sinceramente, eu penso nisso todos os dias; não acho que isso seja necessário para ninguém, mas eu leio todos os dias alguns sites sobre nosso mercado e penso para onde ele está caminhando, como será nosso fluxo de trabalho diário no futuro e que tipo de habilidades serão necessárias para organizar esse fluxo. Então, paro e sinto se estou animada ou cansada pensando isso, se estiver animada vou procurar cursos que me preparem para ter essas habilidades. Se ficar cansada, repasso o pensamento para quem eu acho que poderia ter o perfil. Foi bom quando aceitei pela primeira vez que o mercado precisa de muitas habilidades, mas que eu só vou desenvolver algumas. É bom entender e desejar ser apenas uma pessoa. Isso abre possibilidade de as outras pessoas serem de fato as outras pessoas, com as outras habilidades. Acho que é desse pensamento que vem o chefe que quer desenvolver seus subordinados...

4 – O que me falta.

Aprendi com o tempo que pessoas impulsivas como eu não devem procurar o que falta e resolver essa falta imediatamente. É duro, mas algo falta e vai faltar sempre. Então por mais que faltem dois cursos de idiomas, um mestrado em Letras, um mestrado em Publishing, um mestrado em Engenharia de Produção, um curso sobre Mídias Digitais etc. será preciso escolher por tempo de duração, horário, valor, necessidade do mercado, necessidade da sua empresa, necessidade pessoal etc. E acontece de quando você conseguir juntar dinheiro para um, aparecer uma nova necessidade da empresa ou do mercado e então você tem que refazer seus planos (no meu caso, planilhas). Portanto, essa é a fase mais difícil de resolver sozinho, e será bom marcar almoços com superiores ou perguntar mesmo para amigos as opiniões deles. Mas evite fazer isso muitas vezes no ano com a mesma pessoa, ela pode começar a correr de você, porque, creia, ela também tem as questões dela.

É muito legal fazer isso por escrito e deixar guardado para revisões. Eu já quis ser algumas coisas diferentes à medida que fui amadurecendo (envelhecendo), mesmo porque há poucas coisas dentro de uma editora (ou até fora) que eu ache realmente péssimo para trabalhar. E é legal ver o caminho que se está fazendo, ver como está se transformando, como descobriu caminhos que sequer imaginava que existissem quando estava na faculdade.

Ah, e sempre, boa sorte!

Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.

Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.

Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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Gustavo Martins
Colunista do PublishNews
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