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A parada do livro no editorial
PublishNews, 20/07/2010
Cindy Leopoldo explica o que o editorial está fazendo quando todos os outros departamentos pensam que ele está “segurando a produção do livro”

Antes de tudo, gostaria de agradecer aos profissionais que me ajudaram com as informações para a coluna anterior, são eles: Aline Naomi, Marcelo Pulido, Luciana Chagas e Rita Jobim. No Twitter, afinal: http://twitter.com/cindyleopoldo. E agora, ao texto de hoje!

A primeira etapa [gerenciamento de escopo] a ser comentada será a que é chamada de “edição” ou “verificação interna”, que é o momento em que o livro “estaciona” no editorial para ser “resolvido”. Essa é a fase que considero mais curiosa na produção de um livro, pois ela é muitas vezes “invisível”, apesar de delicadíssima e fundamental. Ao mesmo tempo que este é o momento de modificar trechos importantes do livro, identificar e resolver saltos de tradução, tirar dúvidas com autores etc., é a mais difícil de explicar aos nossos superiores ou colegas de outros departamentos, que às vezes entendem que o editorial está “segurando a produção do livro”.

Usei a palavra “estaciona”, porque os livros estão em sua corrida pelo mundo – já que é comum trabalharmos com profissionais freelancer [gerenciamento de pessoas e de contratos] em todas as outras etapas –, indo da casa do tradutor para a do copidesque, depois para o escritório de design e, por fim (ou não), para as casas dos revisores, indexadores etc. [gerenciamento de comunicação] Mas, ao fim de cada etapa (ou de algumas etapas, depende da editora), o livro faz um “pitstop” no editorial para que este avalie o trabalho que foi realizado e veja todas as dúvidas e sugestões feitas por esses primeiros leitores. [gerenciamento de qualidade]



Como o pitstop da Fórmula 1, essa primeira etapa é um trabalho com minutos e segundos contados [gerenciamento de tempo], apesar de muito complexo. E, diferentemente da Fórmula 1, no editorial as etapas não costumam ser feitas todas ao mesmo tempo por um time coeso de 18 a 25 integrantes, mas por uma pessoa (ou não muito mais que isso) a cada etapa. Portanto, quanto mais preciso o produtor editorial for, melhor; e para ser preciso é necessário treinamento, ou pela experiência , ou por aquele oferecido pela empresa. [gerenciamento de comunicação, tempo, qualidade, pessoas, integração]

(Este é o momento em que uma metodologia simples e difundida faz toda a diferença para a qualidade, os custos e a velocidade da produção de um livro – ou de qualquer outro projeto –, mas este é um assunto que trata de um futuro possível para o departamento editorial. Por ora, ficamos no presente documentando o dia a dia.)

Por exemplo: um título internacional de não ficção é comprado pelo diretor de aquisições, e o livro em inglês chega para que o editorial o transforme em um livro em português. Resumo do que faz o departamento editorial no “pitstop”:

Antes de jogar o livro na linha de produção tradução-copi-diagramação-revisão-etc., o editorial tem a função de avaliar esse original em inglês para ver se possui imagens. Se tem, precisa descobrir como adquiri-las. Se forem coloridas, deverá definir com a diretoria se eles estão dispostos a pagar para fazer um livro com miolo colorido. Se não estiverem, é necessário ver com agência literária se haveria opções de uso dessas imagens (transformá-las em PB ou retirá-las do livro). [gerenciamento de escopo e risco] Depois, é preciso ler um pouco do original e ver quais são os tradutores que estão acostumados àquele tipo de assunto/vocabulário. E assim o original é enviado para a tradução. [gerenciamento de comunicação, contrato, custos, pessoas]

(Em um livro de 600 laudas, aproximadamente 2 meses depois...)

O original volta da tradução: é preciso conferir se o tradutor usou o prazo de tempo que tinha ou se o extrapolou e ler um pouco da tradução, cotejando-o com o original para avaliar se está coerente, fluido em português, se as notas do original, os dísticos e legendas das imagens e o índice foram traduzidos. Se não foram, o texto volta para o tradutor ou é, dependendo da pressa, resolvido pelo próprio editorial, que precisa traduzir com os mesmos termos usados pelo tradutor, isto é, tem que fazer busca no arquivo da tradução o tempo todo para verificar se o tradutor optou, por exemplo, traduzir home por “lar” ou “casa”. Depois, o editorial avalia quais copidesques estão acostumados àquele tipo de assunto e envia para copi. (Algumas editoras, dependendo da qualidade da tradução o copidesque, dispensam essa etapa. Eu, sinceramente, acho isso muitíssimo arriscado.)

[daqui para frente serão necessários em todas as etapas: gerenciamento de risco, qualidade, comunicação, escopo, contrato, custos, pessoas, tempo]

(Mais ou menos 1 mês depois...)

O original volta do copidesque impresso: o editorial verifica cada correção feita, de forma a avaliar se está de acordo com o estilo da editora, com as preferências do autor/agência, com a gramática e com o vocabulário oficial da língua portuguesa. Depois, são resolvidas todas as dúvidas levantadas pelo copi, como, por exemplo: “No original em inglês está home, e o tradutor às vezes colocou ‘casa’ e às vezes colocou ‘lar’. Padronizei como ‘casa’, mas, como há muitas aparições, aconselho que seja feita busca no arquivo” ou a trabalhosa “acho que em vez de ‘16’ aqui deveria ser ‘316’. Conferir se é erro do original” ou a bombástica, e não rara, “esse trecho não foi traduzido”. O editorial deve tentar padronizar, traduzir e resolver o máximo de dúvidas neste momento. Pois a próxima etapa é a diagramação e, muitas vezes, a partir desse momento qualquer inserção ou exclusão de muito texto que modifique o número final de páginas pode, literalmente, custar muito caro, pois pode ser considerada uma nova diagramação, que é possível, inclusive, que exija uma nova revisão e uma nova geração de índice.

O original volta do copidesque feito “na tela”: o editorial aceita ou não cada alteração feita no arquivo da mesma forma que é feita no impresso; as dúvidas, no copi eletrônico, porém, vêm em caixas de comentários. O editorial, neste caso, além de tentar padronizar, traduzir e resolver o máximo de dúvidas neste momento para que o número de páginas não seja alterado depois da diagramação, deve deixar o texto completamente limpo de alterações e comentários. Se não for completamente limpo, após diagramado, todas as alterações e comentários podem vir inseridos no miolo como se fossem parte do livro.

(Até uma semana depois...)

O diagramador (que pode ser designer de miolo ou uma empresa de diagramação) envia um modelo para o editorial (em conjunto ou não, com outros departamentos), para que sejam aprovados tipografias, espaçamentos, harmonia entre tipologias e entre tipologias e imagens, cores etc. Esse modelo (projeto gráfico) pode ser proposto pela editora ou pelo diagramador, e isso faz com que o preço da etapa varie. Se aprovado, o diagramador envia, geralmente em menos de uma semana, todo o livro diagramado para o editorial. Senão, tem início uma negociação frequentemente recheada de pedidos subjetivos como, por exemplo, “está meio sem vida”. Esse tipo de discussão ocorre muito na hora da produção da capa, que inclusive poderá ser elaborada pelo mesmo designer de miolo. Pessoalmente, sempre acho que essas discussões não terão fim por causa da falta de vocabulário, mas, incrível, sempre têm! Desconfio sinceramente que isso só ocorre porque todos são vencidos pelo cansaço...

E o livro então segue para a(s) revisão(ões) com suas batidas e inserções de emendas.

(Até duas semanas depois...)

O número de revisões varia de editora para editora. Mas a função do editorial aqui é parecida com aquela depois do copi: avaliar todas as alterações no texto, que, se tudo tiver dado certo nas etapas anteriores, já deverão ser poucas e simples (erros como “pastel”, isto é, erros de ortografia, basicamente). Ainda assim, se o livro tiver índice, é aconselhável aguardar até a última inserção de emendas para fazê-lo.

O que sempre faço questão de lembrar: estou falando do trabalho de uma (ou pouco mais) pessoa(s) que tem em produção algumas dezenas de livros ao mesmo tempo. Enquanto está tirando as dúvidas do copi do livro A, o produtor editorial percebeu que tem que comprar as imagens do livro B para poder fechar a diagramação, que também está esperando a aprovação do projeto gráfico do livro C e está tentando acertar a capa do livro D, que estava “meio morta”. Há ainda cinco livros em tradução, três em copi, dois em diagramação em outros birôs, sete em primeira revisão, três em segunda revisão, trinta parados, esperando o “ok” para ir para a próxima etapa, cinco aguardando tradutores, três aguardando copidesques. Considere que 70% dos profissionais freelancer entram em contato por e-mail e/ou telefone para tirar dúvidas, muitas vezes relacionadas a pagamentos, ou serão pedidos de testes para serem novos colaboradores da editora, ou estarão cobrando o resultado destes testes, ou apresentando problemas nos livros etc. E, sim, é necessário dar atenção a tudo, pois tudo é realmente muito importante. Claro que há prioridades, mas nada pode deixar de ser controlado ou gerenciado por mais de 48 horas sem criar a possibilidade de falha.

Portanto, defendo que, além do desenvolvimento da aptidão “natural” do departamento editorial pelas ciências humanas, necessitamos ser treinados em todas as áreas de gerenciamento o máximo possível. E o mais urgentemente possível.

Nas colunas seguintes, continuarei analisando as etapas, por isso aqui procurei ver apenas o trabalho do editorial, sem discutir mais profundamente tradução, copi etc.

Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.

Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.

Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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