São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2008

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Pamuk investiga mistérios da Turquia

Ganhador do Nobel de 2006 terá "O Livro Negro", que considera seu principal romance, lançado no Brasil em novembro

Autor diz que liberdade de expressão "melhorou" em seu país, mas não perde a chance de criticar o governo na Feira de Frankfurt

Arne Dedert - 14.out.08/Efe
O turco Orhan Pamuk ("Meu nome é Vermelho", "Neve"), na abertura desta edição da Feira do Livro de Frankfurt, na última terça, da qual foi convidado de honra

EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

Convidado de honra da 60ª Feira de Frankfurt, que terminou ontem, o escritor turco Orhan Pamuk, premiado com o Nobel em 2006, viu com otimismo a participação da Turquia como país homenageado do evento neste ano.
Logo no discurso na abertura da feira, no entanto, não perdeu a chance de criticar, diante do presidente da Turquia, a ainda precária liberdade de expressão de compatriotas que, como ele, já foram acusados de insultar a identidade turca.
Em entrevista à Folha anteontem, Pamuk disse que "as coisas estão melhorando", mas que não se pode parar de criticar quando se tem oportunidade: "O que importa é quantos escritores ainda estão presos ou sendo processados".
Em novembro, sai no Brasil "O Livro Negro", romance de 1990 que Pamuk considera o mais importante em sua bibliografia porque apresenta "o estilo" que viria a ser marca de sua obra. O escritor, que esteve no Brasil na Flip 2005, volta no fim do ano para fazer palestras. Leia trechos da entrevista.

 

FOLHA - Como avalia a participação da Turquia em Frankfurt? Sinal de mais liberdade de expressão?
PAMUK
- Uns dez ou 15 autores turcos foram publicados por boas editoras na Alemanha, o que é importante. O resto é o trabalho da indústria do turismo do país, o que não me interessa. Talvez as coisas estejam melhorando. Mas há ainda muitos autores presos ou indo a tribunais. Até mesmo em ditaduras as pessoas dizem que as coisas estão melhorando o tempo todo, e isso não significa nada. O que importa é quantos escritores estão presos ou sendo processados. As coisas estão melhorando, mas não quer dizer que devemos parar de criticar se temos a oportunidade.

FOLHA - "O Livro Negro", de 1990, será lançado em novembro no Brasil. Qual a importância dele?
PAMUK
- Ele é muito importante para mim. No momento, estou planejando o segundo volume da minha autobiografia [o primeiro, "Istambul", foi lançado em 2007 no Brasil]. Ele vai mostrar como eu me transformei de uma pessoa normal em um romancista. Será uma mistura de relato da minha vida pessoal, como foi "Istambul", e um livro sobre a arte do romance. Este volume terminará com a publicação de "O Livro Negro", em março de 1990, quando eu, após 17 anos de luta para publicar meus livros e sem ser editado na Turquia, finalmente encontro minha voz e estilo original e lanço meu melhor romance. Talvez não seja o mais popular, mas é o mais querido para mim. Na essência, o que eu faço em literatura nasce aí.

FOLHA - A crítica disse que "O Livro Negro" é um romance policial que tem Istambul como um personagem central, que é um exercício de narrativa pós-moderna. Qual avaliação é verdadeira?
PAMUK
- Ambas. É a história de um advogado em busca de sua mulher, que desaparece em Istambul. Está implícito que ela talvez esteja com um primo, um famoso colunista turco. Em alguns capítulos, lemos as suas colunas, que parecem ter pistas de onde estão. O advogado se torna uma espécie de detetive amador à procura de sua mulher por toda a cidade. Parece um romance policial, mas não se trata de "quem matou quem". Mas sim de procurar pistas num mar infinito de possibilidades que é a própria cidade, com suas várias camadas de história, cultura popular, mistérios, segredos, grupos religiosos, submundos. E a narrativa também traz camadas e camadas de histórias...

FOLHA - Num artigo publicado em 2006 pelo "Herald Tribune", o sr. critica a idéia de que um intelectual de um país pobre e não-ocidental deveria se ocupar dos problemas locais em vez de arte e literatura. O sr. também já declarou que não quer ser uma mera "ponte" entre Ocidente e Oriente. Afinal, qual seu papel político como escritor?
PAMUK
- No artigo eu citava Jean-Paul Sartre, que disse que, se fosse um intelectual de Biafra, seria um professor, não um escritor. Eu discordo dele. Mas sou essencialmente um escritor de obras literárias. Claro que a Turquia é um país com problemas. No entanto, esqueça isso de Ocidente e Oriente. É como perguntar a Clarice Lispector o que ela achava do norte e do sul. Ela pode até ter usado a ficção como desculpa para falar de tais questões. Mas não trabalho com clichês. Sou um escritor que fala do passado, dos mistérios da Turquia. Minha intenção não é representar o país, a não ser que esteja falando de mim. É como acredito que minha literatura deva ser. A expressão dos sentimentos fortes que trago em mim.


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