A treta da TAG: a lição que isso trouxe para o mercado do livro
PublishNews, Gustavo Guertler*, 20/04/2018
Em artigo especialmente escrito para o PublishNews, Gustavo Guertler comenta a polêmica envolvendo uma peça publicitária veiculada pela TAG - Experiências Literárias

Há quatro anos, estava em uma feira do livro do interior gaúcho quando vi um sujeito em pé num cantinho do palco com uma caixinha de papelão nas mãos. Uma amiga da organização da feira nos apresentou, sem saber explicar muito bem o que ele vendia. Era um dos fundadores da TAG, que começou a me contar um pouco sobre como aquilo funcionava.

Deixa ver se eu entendi, amigo: eu pago 69,90 por mês, pra receber um livro que eu compraria talvez pela metade do preço em uma livraria, um livro que eu não sei qual é, com um brinde sobre o livro que eu não sei qual é e uma revista, falando sobre o livro que eu não sei qual é.

Enquanto ouvia, parecia que eu estava ao telefone com aquele autor que quer te convencer que um livro sobre como a inteligência emocional dos vegetais vai virar um best-seller (veganos, por favor, sem mais treta please).

Desculpa, amigo, esse troço não vai dar certo, pensei. Tá de zoação comigo. Esse negócio não faz nenhum sentido. É pior que sair por aí vendendo Barsa.

Como dá pra ver, eu quebrei a cara (nenhuma novidade para quem é pago para escolher que livros publicar). E estou muito feliz em dizer isso. A lição dessa história é que a gente precisa prestar sempre atenção em ideias que não fazem sentido, principalmente depois que descobri Eric Ries e o seu A Startup Enxuta. No começo, as ideias de negócios inovadoras dificilmente fazem sentido porque elas foram criadas justamente para quebrar a lógica do que agora parece fazer sentido para nós.

Desde aquele dia na feira acompanhei, geralmente pelos olhares de amigos muito próximos que temos, a bela história que o trio da TAG construiu até agora. Porque além de inovação – é uma visão míope enxergar a empresa como um simples clube de assinaturas de livros – os guris são um dos exemplos daquela máxima que diz que uma boa execução ganha de qualquer estratégia. Execução é tudo. Eu sei como eles trabalham, e muito.

Só que essa semana veio a treta. Depois de voltarem com um prêmio da Feira de Londres, um e-mail com uma propaganda infeliz para divulgar um novo serviço da TAG levantou uma polêmica que levou o mercado a uma importante reflexão. O novo serviço é o TAG Inéditos, um clube que desta vez entrega best-sellers ainda não publicados no Brasil aos leitores, a um preço mais acessível que o TAG Curadoria, que acabou se posicionando agora como uma espécie de modelo Premium.

A peça de divulgação (na imagem acima) colocava os dois serviços lado a lado e tentava encaixar os leitores em perfis de público. Resumindo, dava a entender que quem optasse pelo plano dos best-sellers, o mais baratinho, era um leitor que não gostava de coisas "maçantes" (curioso é que a peça conseguiu ofender até o serviço premium por tabela), que exigiam concentração ou faziam pensar.

Acontece que muita gente relevante se posicionou contra essa divulgação, editores, agentes, booktubers, escritores.

A gente pode classificar os livros, mas não rotular as pessoas.

Tem sido uma luta de muitos anos, de muita gente do mercado do livro – incluindo eu –, de tentar romper com a ideia de que quem não pertence ao chamado circuito cult, validado por prêmios de literatura, academia e revistas especializadas, é subliteratura. Ou, pior ainda, algo que sutilmente rotularam de “literatura mais comercial”. Ao contrário do pensamento de mercados mais maduros do que o nosso, tornar-se um best-seller não é um mérito; é um selo de falta de qualidade.

A reação de quem se sentiu ofendido fez essa polêmica ficar boa pra todo mundo e mostrar que tá todo mundo, de alguma forma, no caminho certo. Em outros tempos, ironicamente, não me surpreenderia que a treta pudesse ser inversa: por que um clube com caixinhas tão cool se rebaixaria a fazer best-sellers pra quem não entende de literatura de verdade?

Que legal, a gente saiu do armário.

Os geeks não estão mais no fundo da sala de aula; eles estão nas vitrines das livrarias (eles dominam o mundo). E isso é irado. Os jovens autores brasileiros andam escalando as listas.

Que esse episódio não desmereça o trabalho brilhante da TAG, que já pediu desculpas pelo erro. Não é incomum que pinte um ou outro equívoco principalmente num negócio que cresceu rápido demais, queimando algumas etapas do ciclo de maturidade. Não é demérito; é aprendizado. Que isso sirva para que os leitores possam ser cada vez mais respeitados, nem subestimados, assim como os escritores.

No fundo sei que, por mais que a TAG cresça, e a gente torce pra isso, se depender dos seus fundadores, sei que ela vai ser sempre aquele sujeito em pé na feira do livro com o brilho no olho acreditando no poder dos livros. A TAG só não tinha um sujeitinho lá dentro pra dizer "que p@#* é essa?". Esse cara as empresas legais raramente têm. Porque quando todos tiverem os negócios que são legais vão virar caretas. Aí eles vão deixar de arriscar. E o mais divertido de se trabalhar com arte vai se perder: as coisas vão começar a fazer sentido demais, serem previsíveis demais. Sem treta não dá pra viver.


* Gustavo Guertler é editor na Belas Letras, responsável pela área de livros na Imaginarium, vice-presidente do Clube dos Editores do RS e criador de outras iniciativas aparentemente sem nenhum sentido.

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[20/04/2018 06:00:00]