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Bibliotecas Comunitárias ou Bibliotecas instaladas nas comunidades?
PublishNews, Volnei Canônica, 10/08/2016
Em sua coluna, Volnei Canônica recomenda que os governos antes de implantarem bibliotecas nas comunidades possam aprender com ações realmente já consolidadas

Hoje gostaria de compartilhar minha visão sobre a diferença entre bibliotecas comunitárias e bibliotecas instaladas nas comunidades. Também quero falar sobre a importância do trabalho de promoção da leitura realizado pelas inúmeras bibliotecas comunitárias nos diferentes cantos deste enorme Brasil.

Conforme conceito estabelecido pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), integrante da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) no Ministério da Cultura (MinC), a “Biblioteca Comunitária é um espaço de incentivo à leitura e acesso ao livro. É criada e mantida pela comunidade local, sem vínculo direto com o Estado”.

A biblioteca comunitária se estabelece quando o Estado deixa de garantir a leitura e principalmente a leitura literária como um direito de todos. A biblioteca comunitária nasce pelo desejo de alguém ou de uma instituição que entende que o contato com a leitura e a escrita pode proporcionar à sua comunidade informações e conhecimentos importantes. Essa possibilidade de acesso proporciona uma reflexão mais profunda do papel do leitor como cidadão. Desta forma, o leitor pode interferir em situações ou cenários que antes pareciam distantes e impossíveis de serem mudados. O acesso por meio das palavras e das imagens contidas nos livros contribui para o empoderamento do cidadão. Por isso, garantir a qualidade deste acesso a materiais diversos e de qualidade ajudam a constituir um pensamento aberto às diferenças.

Uma outra característica das bibliotecas comunitárias é que elas são a cara da sua comunidade. Seus espaços dialogam com a cultura local, são geridas pelos moradores e recebem doações da comunidade. Muitas bibliotecas comunitárias se estabelecem nas próprias casas dos moradores e por isso, possuem horário de atendimento mais flexível com a demanda da comunidade. Mesmo no horário do almoço basta o menino ou a menina bater na porta com fome de história que sairá de lá com um livro. Estas são algumas características das bibliotecas comunitárias que garantem seus espaços apinhados de crianças todos os dias. O fechamento de uma biblioteca comunitária é sempre uma grande perda para aquela comunidade porque ela faz parte do seu dia a dia.

Recentemente o governo interino anunciou a criação de bibliotecas comunitárias no Programa Minha Casa, Minha Vida. Ter bibliotecas neste programa será muito bem-vindo. Mas precisamos fazer algumas diferenciações. Primeiro vamos deixar claro que o que o governo denomina bibliotecas comunitárias na verdade se tratam de bibliotecas instaladas nas comunidades. Já mencionei algumas características de bibliotecas comunitárias e agora vou levantar alguns pontos que devem ser considerados por governos (municipais, estaduais e federais) em bibliotecas instaladas nas comunidades:

  • Como este é um equipamento instituído por um governo, traz as diretrizes da sua política para a área da promoção da leitura. É necessário, portanto, estabelecer um diálogo permanente com a comunidade. O governo precisa realizar um importante processo de escuta, resultando em ações que reflitam as demandas de cada sociedade.
  • Estas bibliotecas, precisam ter uma relação construída desde o início com a comunidade local. Sem esta relação as bibliotecas correm sério risco de ficar vazias. A comunidade precisa entender que será instalada uma biblioteca e qual a importância deste equipamento.
  • O projeto de implantação destas bibliotecas pode e deve vir com algum padrão, por exemplo, para mobiliário, software, acervo e processo de atendimento. Mas tudo isso precisa ter possibilidade de ser customizado pela comunidade. Se as bibliotecas implantadas nas comunidades não tiverem esta abertura, as pessoas não irão se enxergar neste espaço. Não colocarão os seus pés por lá. Pensar em bibliotecas não é pensar numa rede de loja de perfumes e nem de supermercados. Nada de padronizar demais.
  • Geralmente quando um projeto de implantação de bibliotecas nas comunidades é concebido, se parte do princípio que esta comunidade não é leitora e que este projeto tem conhecimento do que os cidadãos precisam ler. Chegar com um acervo completamente pronto pode afastar leitores. É importante criar o vínculo do objeto-livro como um objeto de desejo. Mas para que isso aconteça é fundamental que o governo pergunte aos moradores quais são os gêneros literários, quais sãos as histórias de ficção de que gostam, quais são suas vontades e seus medos. Para se constituir o acervo de uma biblioteca é necessário saber o desejo dos futuros frequentadores desse espaço.
  • É necessário pensar a relação das bibliotecas a serem implantadas nas comunidades com as bibliotecas escolares, as bibliotecas públicas municipais e centros culturais. Nenhum programa de governo que pense o desenvolvimento do leitor deve fazer ação isolada. Os diferentes equipamentos existentes na comunidade devem estar interligados e projetar ações conjuntas. Desta forma será possível criar condições de estímulos para os leitores.
  • É importante que o governo tenha desde o início a preocupação com a sustentabilidade desta ação de implantação de bibliotecas no programa Minha Casa, Minha Vida. Será uma ação irresponsável implantar um número determinado de bibliotecas e não garantir no seu orçamento recursos necessários para mantê-las com acervo, mobiliário, equipamentos de informática, recursos humanos – bibliotecário e promotores de leitura, entre outros. Cansamos de ver bibliotecas recém implantadas serem fechadas. Recentemente sofremos com o que aconteceu com as Bibliotecas Parques do Rio de Janeiro. Belíssimos equipamentos implantados nas comunidades que no final do ano de 2015 reduziram seu horário de funcionamento por falta de planejamento e de investimento do Estado. Estiveram mesmo bem perto de fechar. Hoje se mantém abertas graças a um convênio estabelecido com a prefeitura municipal. Convênio este que vence no final deste ano, trazendo novamente a possibilidade de fechamento de suas portas, já que o Estado declarou processo de falência há mais ou menos dois meses.

Essa reflexão é construída numa trajetória profissional minha à frente da coordenação do programa Prazer em Ler do Instituto C&A durante cinco anos. Reflexão construída também pela experiência como um dos assessores da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), parceira do Instituto Ecofuturo na implantação de bibliotecas comunitárias do programa Ler é Preciso. Ambos importantes programas de implantação e apoio a bibliotecas comunitárias. Programas com metodologias diferentes, mas que levam em consideração o que está construído na comunidade e seus desejos em torno da leitura.

Minha sugestão é que os governos antes de implantarem bibliotecas nas comunidades possam aprender com ações realmente já consolidadas. Existe hoje a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, que surgiu pelo desejo das mais de 80 bibliotecas comunitárias de diferentes regiões do Brasil apoiadas pelo Instituto C&A. Uma forte rede que tem conhecimento e expertise suficiente para orientar qualquer governo na implantação de bibliotecas nas comunidades. Inclusive, os governos deveriam olhar para esta rede e apoiar suas iniciativas para que a mesma amplie suas ações. As bibliotecas comunitárias no Brasil exercem hoje um papel fundamental na promoção da leitura e na incidência das políticas públicas locais. Há alguns anos estas bibliotecas realizam um importante movimento de mobilização para a construção dos planos municipais e estaduais do livro, leitura, literatura e bibliotecas.

Desejo que tenhamos cada vez mais bibliotecas comunitárias ou bibliotecas implantadas na comunidade. Mas que isso seja uma ação pensada e sustentável.

Gostaria que cada casa tivesse sua própria biblioteca. O acervo pessoal é importante! Ter livros circulando pela casa ajuda a criar o valor simbólico e a importância que precisamos para o objeto-livro e para a leitura. Durante o Governo Dilma participei, como Diretor da DLLLB, de uma audiência pública no Senado sobre o Projeto de Lei 204/2013 do senador Cristovam Buarque (PDT/DF) que estipula que cada família beneficiada no Minha Casa, Minha Vida receba uma biblioteca composta de 20 livros de humanidades (selecionadas pelo Plano Nacional do Livro e da Leitura - PNLL ou pelo Plano Municipal de cada prefeitura), equipamento de informática com software instalados e acesso à banda larga. A audiência teve a presença de representantes dos ministérios da Educação e da Cultura. Discutimos a importância das bibliotecas instaladas na comunidade e também das bibliotecas pessoais. Portanto, este não é um tema novo para o Governo Federal e nem deve ser tratado como um projeto inovador.

Outro ponto importante é que num esforço de mapear as bibliotecas públicas, escolares, universitárias, especializadas, particulares, comunitárias e pontos de leitura, o SNBP lançou, em dezembro de 2015 um cadastro nacional. O cadastro é um aperfeiçoamento do antigo. Esta plataforma conta ainda com uma interface com o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) que visa coletar, armazenar e difundir dados e informações sobre a cultura brasileira. Neste cadastro cada biblioteca pode colocar dados como acervo, serviços, infraestrutura, gestão, relação institucional e público principal da biblioteca. O cadastro ainda possibilita que as bibliotecas tenham uma página para divulgar suas ações e também colocar as diferentes bibliotecas em contato umas com as outras. Em 2016 o SNBP / DLLLB tinha programando uma grande campanha de chamamento nacional para que todos os tipos de bibliotecas fizessem parte desta plataforma. Espero que o governo interino entenda esta plataforma como uma importante ferramenta de gestão e dê continuidade a esta ação. Somos um país com poucos dados sobre as bibliotecas, o que dificulta tomadas de decisões sustentáveis.

Um por todos e todos por um Brasil de leitores!

Volnei Canônica é formado em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil também pela Universidade de Caxias do Sul, e especialização em Literatura, Arte do Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. É Presidente do Instituto de Leitura Quindim, Diretor do Clube de Leitura Quindim e ex-diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do Ministério da Cultura. Coordenou no Instituto C&A de Desenvolvimento Social o programa Prazer em Ler. Foi assessor na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, assessorou a criação do Programa Permanente de Estímulo à Leitura. o Livro Meu. Também foi jurado de vários prêmios literários.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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