Duas perguntas que ameaçam o mercado editorial
PublishNews, 14/03/2012
Duas perguntas ameaçadoras

Muitas pessoas no mercado editorial pagariam muito dinheiro para ter respostas confiáveis a estas duas perguntas:

— Quando vai acabar o crescimento da Amazon na área de livros ao consumidor?

— Quem terá sobrevivido quando isso acontecer?

Não vou tentar respondê-las neste texto. Na verdade, o objetivo aqui é começar a gerar algum tipo de compreensão de que esta é a maneira pela qual as questões estratégicas existenciais da indústria deveriam ser feitas a partir de agora. No meu trabalho de consultoria, meu papel é geralmente fornecer “síntese e articulação”. Este texto vai começar a documentar a síntese que levou a articular as perguntas acima, que são, de fato, declarações implícitas. O catalisador destas ruminações foi a notícia da semana passada sobre a briga da Amazon com o Independent Publishers Group (IPG), uma demonstração de seu poder e sua disposição para exercê-lo. Lembra o incidente há quase dois anos quando eles não conseguiram obrigar a Macmillan (nem as outras grandes editoras) a desistir de sua noção de implementar preços de agência.

A Amazon não foi a primeira livraria on-line. Mas ela parece ter sido diferente das outras desde o começo. Primeiro, porque sempre viu a venda de livros como o começo de um negócio muito mais amplo. Isso significa que vender livros era, talvez em primeiro lugar, uma ferramenta para a aquisição de clientes, não um fim em si mesmo. Segundo, a Amazon percebia, muito antes de ser uma sabedoria geral aceita, que aperfeiçoar a “experiência do cliente” on-line era a principal exigência para o sucesso. E a combinação das duas coisas – junto com a disponibilidade total de capital para promissoras propostas de internet que caracterizaram o final dos anos 90 – deu combustível para preços agressivos que mantiveram seus parceiros e concorrentes impressionados por quase duas décadas.

Qualquer discussão sobre o sucesso da Amazon deve reconhecer que o outro componente central, além da estratégica visão a longo prazo, que é o uso inteligente da capitalização e centro no cliente, tem sido a qualidade de sua execução. Esta é a verdade desde o começo e segue até hoje. Algo disso é subjetivo, mas ainda me parece que eles oferecem uma melhor experiência de “procura e compra” do que a BN.com e um melhor ecossistema geral de e-books do que a Nook ou a Kobo. Eu leio num iPhone e uso todos os sistemas de compras de e-books de vez em quando, mas uso o Kindle mais vezes porque é o melhor. Estou perto de alguém que prefere comprar no BN.com porque (ela diz; não fiz esta pesquisa) eles dão dinheiro para os democratas, enquanto que a Amazon doa aos republicanos, mas ela ainda faz sua pesquisa na Amazon porque funciona melhor antes de ir ao site da BN.com para fazer sua compra.

Algumas destas vantagens se tornaram estruturais: ter mais clientes significa ter mais resenhas de clientes, mais conhecimento dos mesmos, mais produtos a vender e, claro, rankings mais altos em muitas buscas. Não há muito que seus concorrentes possam fazer a respeito. Mas eles também continuam inovando, mais recentemente anunciando um novo recurso X-Ray para os livros Kindle que faz com que anotar e sublinhar ganhe mais valor para os leitores de ficção imersiva e não-ficção, algo que vai demorar para os outros e-books conseguirem.

Esta é a boa notícia: bom para consumidores e para produtores de livros que querem que os consumidores comprem e gostem deles.

Mas este texto não trata só de boas notícias.

O incansável foco da Amazon em seus clientes não evita que mantenham um olhar nas ameaças a seus negócios, venham dos concorrentes óbvios ou os desafios mais tácitos que surgem de parceiros.

Isso nos leva de volta a 1997. A Ingram, sabendo que a Amazon tinha começado seu negócio simplesmente usando-a para suprir a maior parte dos livros que seus clientes queriam (Bezos montou seu negócio em Seattle porque Rosemont no Oregon, sede da Ingram, estava a poucas horas de distância), decidiu que poderiam ter mais livrarias funcionando da mesma forma. Então eles anunciaram a formação da I2S2: Ingram Internet Support Services. A I2S2 forneceria as ferramentas para permitir que qualquer livraria começasse a vender online. Proeminentes pensadores da indústria viram a I2S2 como a forma em que todas as livrarias poderiam começar a aproveitar as oportunidades da internet como um canal de vendas.

Se a Amazon não tivesse reagido a esta ameaça, eles poderiam ter desaparecido tão rapidamente que teríamos problemas para lembrar seu nome agora. Mas eles se mexeram. Cortaram seus preços tão fundo na maioria das coisas que vendiam, que as outras lojas, focadas como estavam em suas próprias lojas, não viram motivos para expandir na direção da web, que não dava lucros. Quase tão rapidamente quanto foi anunciada, a I2S2 estava morta.

A I2S2 foi o primeiro exemplo de como a Amazon pode usar o preço como uma arma, mas este se tornou parte importante do arsenal a partir de então, sendo bastante poderoso. Funciona comercialmente porque não é apenas uma livraria; eles usam os preços dos livros para adquirir clientes e manter sua lealdade. Mantêm esta lealdade com seu programa Prime, pelo qual o cliente paga um preço fixo anualmente por benefícios que incluem entrega mais rápida, fazendo um investimento que paga diretamente em proporção a quanto eles compram da Amazon. Quanto mais compram da Amazon, melhor é o Prime para eles.

Mas usar o preço como arma tem outro benefício: colocar o cliente do seu lado. Mesmo quando os baixos preços da Amazon são subsidiados por não pagarem impostos sobre vendas que financiam os governos estaduais e locais, e minam livrarias locais que poderiam ser seus amigos e vizinhos, os consumidores querem e defendem isso.

A Amazon abriu suas portas virtuais em 1995. Logo depois de enfrentarem o desafio da I2S2, eles desencorajaram o primeiro concorrente com real apoio financeiro. Eles competiram com a BN.com (quando a Bertelsmann, dona da Random House, comprou metade das ações em 1998 para se tornar sócia da B&N) ao estender sua estratégia anti-I2S2 com descontos tão profundos que o canal online de livros dificilmente teria qualquer margem para a livraria. Da perspectiva da Amazon, que era adquirir clientes por tanto tempo que incluiria vender muitas outras coisas além de livros, isso fazia sentido. Da Bertelsmann, uma empresa que ganhava dinheiro vendendo conteúdo, tinha clubes de livros que ganhavam dinheiro e sem interesse em ser uma loja online de multiprodutos, não fazia nenhum. Eles venderam sua metade de volta para a Barnes & Noble em 2003.

E a B&N enfrentou a complicação de não querer canibalizar suas próprias lojas com preços mais baratos on-line. Eles também não queriam investir no site e no motor de busca como fez a Amazon. No meio da última década, estava bastante claro que a Amazon seria a livraria online dominante num futuro previsível e que estes esforços de vendas seriam subsidiados por margens ganhas em outros produtos.

No entanto, até a estreia do Kindle em novembro de 2007, as editoras não precisavam ver a Amazon como nada além de seu principal canal online e, para as comerciais, ela ainda era auxiliar de seus principais canais com o consumidor. A Barnes & Noble ainda estava crescendo em número de lojas. A Borders não ia muito bem (e ainda se recuperando do erro de entregar à Amazon seu negócio online no começo da década), mas ainda era uma livraria robusta. A parte online do total de vendas estava crescendo, mas mesmo o componente livraria ainda era um negócio que avançava. E as expectativas de que os e-books mudariam isso estava limitado aos Verdadeiros Crentes (como eu) que tinham previsto uma mudança de leitura no papel para a tela, algo que ainda não tinha ganhado qualquer impulso.

Eu me lembro que no final dos anos 90 foi sugerido por alguns especialistas (mas certamente não este que escreve) que as editoras deveriam se combinar para concorrer com a Amazon. Se tivessem feito isso, certamente teriam fracassado tão rotundamente como a I2S2 e a combinação Bertelsmann-B&N. As editoras não teriam embarcado na venda de livros online para perder dinheiro e teriam sido necessárias visão e coragem para usar livros da forma como Bezos fez, como uma fonte inicial para a criação de um Walmart on-line. A questão que quero enfatizar é que não foi um fracasso por parte das editoras ter “permitido” que a Amazon crescesse a ponto de ter a hegemonia on-line. Elas não tinham o poder para mudar isso. E, neste meio tempo, a Amazon estaria distribuindo seus livros e vendendo muito mais do que eles se tivessem tentado ganhar mais margem sobre as vendas de livros. (Claro, as vendas nas lojas teriam se atrofiado de forma mais lenta se as editoras tivessem conseguido manter os preços online mais altos, mas não era uma escolha das editoras ou das livrarias mesmo se tivessem pleno conhecimento do que estava por vir.)

Claro, desde 2007, as vendas de e-books duplicaram ou mais a cada ano, as vendas de impressos estão declinando, e as vendas de impressos nas lojas estão declinando ainda mais rápido, a Borders desapareceu e centenas de livrarias fecharam, redes independentes e pequenas continuam desaparecendo, e até a B&N está reduzindo drasticamente o espaço em prateleira devotado a livros. Os e-books permitiram a autopublicação comercialmente viável de uma forma pouco prevista, dando aos autores poder nas negociações com as editoras como nunca tiveram antes. E os agentes agora têm de compartilhar a preocupação das editoras e das livrarias de que a Amazon poderia eliminá-los como intermediários quando fornece seus serviços de publicação e distribuição aos autores diretamente.

Além da pressão de preços e da queda de braço com a Macmillan e agora com a IPG, a Amazon mostrou em outras situações que eles vão usar o poder quando tiverem. Alguns anos atrás, eles tentaram pressionar as editoras que queriam vender títulos print-on-demand para fazer isso através do CreateSpace, não com a Lightining. Recentemente, eles começaram a cobrar das editoras para postar material de apoio aos livros on-line, algo que alguns anos antes teriam implorado para que fosse disponibilizado. Agora há informes de que estão pressionando por mais margem e mais cooperação (a Amazon aparentemente “inventou” há pouco tempo o e-book coop).

Este tipo de pressão não é surpresa. As lojas que contam com uma larga porcentagem do negócio de um fabricante fazem isso rotineiramente. O que é novo e sem precedentes é que as vendas da Amazon agora constituem 30% ou mais de muitas grandes editoras, entre impressos e digitais, e que este número está crescendo.

Isso já seria difícil se não houvesse um abismo cultural entre a Amazon e o resto do mercado editorial. Mas existe. Cada vez mais, as pessoas que estão há anos no mercado veem a Amazon como “dentro” do mercado de livros, mas não “do” mercado de livros. Esta atitude é exacerbada porque a resposta à segunda questão acima (“quem vai ficar?”) para muitos é “talvez eu não”.

Na verdade, o que sabemos é que a Amazon no mercado editorial só cresceu desde que a empresa começou em 1995. E por mais direta ou indireta que seja a conexão, nós perdemos muitos players no mercado desde então, e isso continua.

O abismo cultural será coberto num próximo texto meu que analisa o impacto do crescimento da Amazon em cada segmento da cadeia de valor editorial. Aí vamos começar a tentar responder as perguntas do começo. Espero conseguir muita ajuda dos comentários neste texto e no seguinte sobre essas grandes perguntas. Pelo que posso falar, todo player, pensando em seu próprio futuro num mundo onde a Amazon fica cada vez mais importante, está procurando ajuda para respondê-las também

[13/03/2012 21:00:00]