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Fazendo e-books
PublishNews, 28/06/2011
Fazendo e-books

Há meses vinha pensando que ninguém do mercado editorial brasileiro tinha o perfil geek necessário para realmente explicar o que diabos era ePub. Ok, me diziam quais eram as vantagens dele em relação ao PDF, que o InDesign fazia a conversão, falavam do mercado americano, dos e-readers, dos direitos autorais, mas quando chegávamos na pergunta “mas como um arquivo .indd se ‘transforma’ num .ePub?” a conversa travava em “ah, aí é com um programador”... E a pergunta que ficava martelando na minha cabeça era: de onde tiraríamos esse programador com noções de design de livro e que aceitaria os valores por lauda do mercado editorial? E a única resposta que me vinha era: dos próprios birôs de diagramação, será apenas um serviço a mais. Assim, inventei o mundo tranquilo do editorial digital, no qual apenas os diagramadores teriam que se aventurar no mundo assustador dos códigos de programação e a nós, produtores editoriais, caberia apenas o trabalho de sempre: isbn, revisão, controle de prazos etc.

Essa tranquilidade foi desaparecendo na medida em que recebíamos os arquivos convertidos: fontes perdidas, imagem de capa desaparecida, sumários confusos ou com pouca informação, imagens que apareciam em um leitor, mas não em outros, links (notas, por exemplo) que jogavam para trechos errados do livro etc. Definitivamente, não era tranquilo pra ninguém, todo o mercado precisava estudar, não havia sequer uma empresa benchmark no setor. Na verdade, não havia nem há o setor!

Cheguei a acreditar que só nos restava esperar que os fornecedores amadurecessem, mas isso me deu um desânimo, uma sensação de impotência, que me fez perceber que eu estava no caminho errado. Um dia, ao sair do trabalho, percebi o óbvio: estava mais uma vez perdendo ânimo e energia por acreditar que o mundo (editorial ou não) é absolutamente previsível e, pior, que eu já o tinha compreendido e catalogado. Mais uma vez, estava paralisada pela odiosa arrogância de quem trabalha há anos na mesma área e abafando minhas dúvidas. Decidi que teria que me livrar de mais esses pré-conceitos, que só servem para nos fazer crer que “nada nunca irá mudar” ou “só eu me interesso por isso”, e iria achar as pessoas de programação que sabiam o que era ePub. Rapidamente a energia voltou! Fazendo buscas e buscas no Google, encontrei um fórum de discussões e me animei: achei o revolução e-book. Lendo as discussões, percebi que havia um senhor que parecia saber bastante sobre os problemas que temos no dia a dia de uma editora, peguei todos os contatos que consegui pra “um dia quem sabe...”, mas nunca tive coragem de ligar ou escrever e expor minha ignorância a ele. E, além disso, o que eu poderia falar com ele? Pedir uma aula? Uma palavra amiga? Não liguei, mas não foi necessário, pois acabamos nos conhecendo dias depois totalmente por acaso no curso da Simplíssimo em Niterói.

O tal “senhor” se chama Antonio Hermida (antoniofhermida@gmail.com) e é bem mais novo que eu... Trabalhava como estagiário de produção editorial em uma editora carioca por ainda estar cursando Letras, mas antes estudou Análise de Sistemas. Com ele inauguro uma nova coluna dentro da coluna, que se ocupará de conhecer (e apresentar) a nova geração editorial.

Por que você saiu da informática? Você fez Letras porque queria trabalhar com livros?

Na verdade, sim e não. Comecei a fazer Letras por gostar de latim e literaturas, mas precisava me sustentar antes, daí ter feito informática (área na qual sempre tive facilidade de transitar). Queria poder me dedicar ao estudo da literatura sem a obrigação de me formar às pressas, com urgência do mercado de trabalho. Sempre quis trabalhar e estar entre livros, mas nunca tive uma ideia muito clara de como faria isso.

O que fazia (dentro de uma editora) quando começou?

Basicamente tudo que faz um estagiário de editorial. Cotejo, pesquisa, padronização de textos, notas, bibliografia...

Quando surgiu o ePub na sua vida? O que espera do ePub3?

Na época, os arquivos em epub estavam sendo convertidos fora do país, o que gerava uma série de problemas ortográficos e, pior que isso, uma demora absurda para correção. Um ciclo sem fim de revisão-emenda-outra revisão-novos erros-emenda-revisão etc. Peguei alguns arquivos para cotejar e, em casa, pesquisei sobre a estrutura do epub e passei a emendá-los diretamente no código. Como a lista de arquivos convertidos (e com problemas) não era curta, pude ir montando um “banco de dados” tanto de erros quanto de efeitos interessantes a serem explorados nas conversões futuras, assim como um manual de estilo para digitais. Acho que foi basicamente isso, comecei a entender os epubs consertando-os. Ainda é das coisas que mais faço (consertar), principalmente quando recebo testes de fornecedores que estão regulares e podem ser aproveitados.

Sobre o epub3, bem, eu cresci brincando com livros-jogos da série Aventuras Fantásticas, justo por isso penso em e-books não só convertidos para o formato, mas concebidos e idealizados como digitais, desde o esboço.

Um bom romance policial não precisaria ser linear, nem ter apenas um final possível, assim como você poderia escolher com que personagem seguir a história, colocar senhas, links externos, pistas em sites... Bem, a própria definição de gênero correria perigo de ser reformulada ou passar a ambientação num caso desses. Fora as demais possibilidades oferecidas por conectividade, geolocalização (no html5), suporte audiovisual...

Você gosta de ler livros digitais? Pra você, o que eles têm de melhor e de pior em relação ao livro impresso? A Faculdade de Letras já fala sobre eles?

Uma edição ruim é cansativa independente do suporte e quando trabalhamos com isso passamos a reparar em detalhes que são ignorados pela maior parte dos leitores. Dentro do que consumo, gosto, claro, de boas edições, impressas ou digitais. Por comodidade tenho lido muito mais digitais (acabo convertendo em casa os textos que recebo dos professores ou livros em domínio público utilizados em algumas literaturas), carrego a maior parte do que preciso ler em um e-reader no lugar de carregar uma resma de papel e livros que, no geral, atacariam minha rinite. É mais cômodo nesse sentido e a leitura proporcionada pela e-ink é confortável. O fato de você poder ajustar o tamanho das fontes, navegar pelas notas, fazer buscas por palavras e consultar suas definições são vantagens indiscutíveis em um e-book. A rigidez do impresso, apesar de às vezes figurar como desvantagem, tem uma segurança da qual sinto falta. Se eu passar um e-book de um e-reader para outro, perco minhas notas e marcações, o mesmo acontece quando acho algum problema na edição e resolvo corrigí-la. Não é mais o mesmo arquivo, e lá se vão minhas notas e marcações outra vez. O que mais gosto num livro é sentir-me avançando nele, por mais que tenhamos a barra de status indicando quantas páginas foram lidas /total, perdemos um pouco desse desbravar. A sensação tátil também perde um pouco, mas isso é pessoal, não acho que seja unânime, nada é. Na Letras a preocupação maior é com o texto em si, com a palavra, não com o suporte, mesmo os professores de idade mais avançada se mostram animados quando eu levo algum e-reader.

Poderia fazer um ranking dos 5 e-readers/tablets/aplicativos que você prefere e explicar o porquê da preferência?

1. Nook (1 e New Nook): Atualizações frequentes de software, tanto para correção quanto para melhoria, excelente contraste e tempo de resposta (no New então...). Gosto muito do Kobo Reader também. Fujo da série PRS da Sony, usei até o 600 e não gostei, tanto pelo comportamento peculiar do texto e dos links quanto pelo contraste que é fraco, além de eu ter que ficar desviando do meu reflexo para poder ler.

2. Ipad: para ler revistas e livros de fotografias. Imagino que para quem consome livros de arquitetura (por exemplo) não tem opção comparável. As telas e em e-ink são quase todas de mais ou menos 6 polegadas. Excelentes para texto, mas, pelo próprio tamanho, ficam devendo.

3. Lucidor (& Lucifox, sua extensão para o Firefox) é leve, multiplataforma e, na abertura do arquivos, aponta se tem algum problema (inclusive alguns que o epubcheck deixa passar) no epub.

4. Calibre: Também é multiplataforma e funciona como um gerenciador de biblioteca, mas que também faz conversões simples para os mais variados formatos.

5. Adobe Digital Editions: É a tecnologia do ADE que pauta a compatibilidade entre a maioria dos e-readers (embora isso esteja mudando com a emergência epub3). É leve, simples e intuitivo.

Como você avalia a oferta de fornecedores para “conversão” em ePub? Eles são mais coders ou mais diagramadores?

Melhor do que era 1 ano atrás, mas longe do ideal. No geral são diagramadores com algum suporte de um webdesigner. O maior problema está na mentalidade. “Dá para fazer isso?” (por exemplo, utilizar a tipologia do impresso). “Dá”. “É a melhor prática?” ou “O resultado compensa?”. “No geral, não.”

Considerando que você analisa e/ou produz códigos de e-books quase todos os dias há mais de um ano, quais dicas você daria aos diagramadores e aos coders? Quais os erros mais comuns que eles cometem?

O maiores problemas são com imagens, grandes e achatadas por código (por exemplo, uma imagem de capa de 1024x1280, que vai ser exibida assim, no código: height:35%; fora isso, o trabalho com as imagens é diferente, as telas ainda são, em sua maioria, monocromáticas, o contraste varia etc.

A tipologia também é um problema. Se não tiver jeito, se uma fonte precisa mesmo ser embutida ao arquivo, dois cuidados devem ser tomados: padronização do tamanho em “Em” e conversão do tipo para otf. Parece pouca coisa, mas, em termos gráficos, são as principais características que compõem uma edição. No mais, testar sempre no maior número de aparelhos e programas a fim de observar as diferentes maneiras como cada um interpreta e, o de praxe, ferramentas como o epubcheck, o validador do Sigil etc.

E quais os erros mais comuns que os editoriais cometem contra os fornecedores de ePubs?

Todos permeiam o mesmo tema: a busca por um e-book igual à edição impressa. São edições diferentes, que se comportam de maneira diversa entre si. A melhor maneira de entender o produto que estão vendendo é consumindo-o. Manipular edições digitais como usuário é a melhor prática de julgamento e o melhor exercício de entendimento. A falta de um manual de estilo (realista) para fornecedores também gera uma série de ruídos de comunicação e não permite ao fornecedor saber o que o se espera.

Quais tipos de arquivos podem ser “convertidos”? Você trabalha com quais softwares?

Qualquer arquivo digital pode ser convertido para epub da mesma maneira que um manuscrito pode tornar-se livro. Alguns formatos dão (muito) mais trabalho que outros. O indd é o mais comum, quase um padrão. Mas não vejo problemas em arquivos de outros tipos desde que os cuidados pós “conversão” sejam feitos. Pessoalmente acho infinitamente mais rápido e fácil trabalhar com doc/odt, o código fica mais limpo, o arquivo mais leve, e fácil de editar/acrescentar coisas.

Utilizo, basicamente o seguinte:

Para edição do arquivo já em epub uso o BlueFish* ou Sigil, dependendo do que é preciso fazer.

Para imagens: Gimp e Inkscape (para imagens svg, as quais dou preferência por não perderem resolução).

Para preparar o texto antes uso o LibreOffice + algumas extensões. No caso de o arquivo ter vindo de um pdf (acontece às vezes), MyTXTCleaner.

E, insisto, o maior número de visualizadores possível.

Quais as características de um e-book bonito?

Se você lê sem notar nada de errado é um bom sinal. Se o arquivo está leve, bem ordenado, de fácil leitura e bem “diagramado” (com imagens variando de acordo com a tela e respeitando as margens), se as notas não estão abrindo entrelinhas (e os links funcionando, uma vez que não é possível ficar folheando para procurar com a mesma facilidade que se tem em uma edição impressa), se está tudo bem padronizado (os espaços, as citações, os títulos) e funcionando mesmo quando o texto é redimensionado... em suma, tudo isso, quando passa imperceptível, causa boa impressão. Os erros é que saltam aos olhos e interrompem a fluidez da leitura.

Sei que você tem prestado consultoria para algumas empresas, mas, além de você e da Simplíssimo, o que mais há que trate do código? Que dica você daria para os estudantes que querem trabalhar com e-books no futuro? Estudem o quê? Onde? Como?

Acho que é uma questão de tempo que "e-books" tornem-se disciplina em produção editorial. Enquanto isso não acontece: xhtml, css e, fundamentalmente, as miudezas que envolvem o "design" de livros. Grosso modo, um diagramador webdesign tem 80% do que é necessário para dar conta de todo o processo.

Criar um blog offline é um exercício bom, embora o formato também tenha suas próprias peculiaridades... Os sites da wc3 e da idpf fornecem material abundante.

Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.

Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.

Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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